segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Contrabando

Título – Contrabando
Autora – Conceição Gonçalves
Editora – Obnósis Editora
Data de edição – 2013

“Contrabando” é o livro de estreia de Conceição Gonçalves, publicado sobre a alçada da Obnósis Editora.

Este “Contrabando”, que não é tráfico, é um livro de histórias, quase em jeito de biografia, sem o ser. É antes, um conjunto de partilhas feitas pela autora, na 1ª pessoa, de momentos marcantes da sua vida, uns reais, outros sonhados, mas todos com uma emotividade, ligeireza e com algumas notas de humor, que cunham a escrita desta obra.



Entre estas partilhas, travamos conhecimento com a infância de Conceição Gonçalves, em Trás-os-Montes, como orgulhosamente nos relata, o seu ambiente familiar e os seus modelos, algumas das suas viagens à América Central e do Sul, uma experiência, no mínimo intensa, em Angola, corria o ano de graça de 1974, meses após a revolução de Abril, conhecemos o seu outro “eu”, que viveu há 2500 anos nas imediações de Marraquexe, entre tantas outras histórias, que deixo como surpresa para quem ler o livro.

De escrita simples, quase falada, Conceição abre-nos o seu mundo e o que lhe vai na alma, deixando fluir memórias, emoções e imaginação, como uma torrente tumultuosa, fresca e vivida, muito patente na recriação dos cenários, dos personagens e das suas interações, que poderão cativar o leitor pela sua verosimilhança a situações que, terá vivido, testemunhado ou, quiçá, até sonhado, sejam elas um cenário idílico na Guatemala, no Brasil ou em Marrocos, seja Angola no período de transição entre a guerra colonial e a guerra civil, seja uma história do dia-a-dia, não tão diferente de outras que ouvimos ou conhecemos, mas contada e escrita num livro.

Acima de tudo, “Contrabando” revela uma libertação através da escrita, transformada numa viagem em que a autora se dá a conhecer aos leitores, a sua vivência, a sua maneira de pensar, a sua maneira de agir. Um livro que, neste propósito, se enquadra bem com a primeira obra de um autor, quase uma obra de apresentação.



Vivido, emotivo quanto baste, e interessante quer pelas experiências descritas, quer pelo estilo de escrita, muito pessoal e informal, “Contrabando” proporciona uma leitura aprazível e simples, apesar de não ter um fio condutor que faça dele um livro com uma história (a não ser a própria história da autora, o que já não é pouco), mas sim, um conjunto de histórias e situações, não obrigatoriamente relacionadas entre si, sendo muitas vezes, o único ponto de contacto entre elas, a própria autora e os seus “eus”.

Um interessante livro de partilha de experiências pessoais.

Classificação:




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Nuno Soares

sábado, 28 de novembro de 2015

Pó na Fita - Do The Right Thing (1989)

Para combater o inverno que se aproxima, um tórrido filme de verão. 


Qual graffiti numa parede, a vida de um bairro afro-americano é-nos apresentada num colorido confronto de nuances ideológicas.

Mookie, o pizza boy, é o pivot desta tragicomédia, onde várias sketches se vão entrecruzando. Temos imagens tão clássicas que vos farão sorrir (aos saudosistas dos anos 80/90), o puto com o mega rádio ao ombro, os velhos do restelo, o eterno revoltado contra o mundo, o maluquinho lá do bairro, a loja dos chineses, a pizaria da esquina. Estas figuras vão se confrontando ao longo dos dias quentes no bairro de Nova Iorque, aquecendo as suas diferenças em lume brando numa panela de pressão (ou num forno de pizza)…Impossível de tomar partidos, conseguimos identificar o único vilão, o preconceito, aquele que nos recusamos a admitir que existe e sempre existirá se não o conseguirmos calar dentro de cada um de nós.

“Do The Right Thing” é o mergulho no final dos anos 80 e princípio dos 90. A linguagem, a música (https://www.youtube.com/watch?v=mcbFJAcuomI) e a caracterização marcam uma montagem inspirada no ritmo de um beat de rap, ora mais ao osso, ora mais divertido. Spike Lee dirige-se a si próprio e a uma liga de atores de primeira (divirtam-se a ver os atores nas seus “eus” mais jovens), que numa forma um pouco caricatural nos fazem andar como um integrante membro deste escaldante bairro. A película está assente na dicotomia das diferentes abordagens de Malcom X (violência como auto-defesa) e Martin Luther King (dar a outra face), uma verdadeira aplicação quotidiana das suas visões. E de facto, qual a coisa certa a fazer?




Rafael Nascimento

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Facebook e a manipulação dos media

Hoje estamos de regresso após duas semanas de ausência forçada das comunidades em que nos inserimos no Facebook.

É verdade, o Opina viu temporariamente bloqueada a sua capacidade de divulgação por parte do facebook, dias depois de ter divulgado a petição da PALP (Plataforma Algarve Livre de Petróleo), contra a exploração de petróleo em Portugal.



Num mundo de comunicações globalizadas, em que, como nunca, é possível fazer passar uma mensagem por milhares, senão milhões, de pessoas num curto espaço de tempo, torna-se importante, a nosso ver, a ambição de fornecer informação de qualidade, baseada em argumentação confiável e verificável, sem espaço para sensacionalismos, desinformações e fraudes que, infelizmente minam os meios de comunicação social (Facebook entre eles) com o objectivo de, ao invés de educar e informar, estupidificar as massas e gerar confusão, ruído e descrença.

Fiel aos seus propósitos, a linha editorial do Opina prima pela divulgação de conteúdos culturais e de cidadania, de maneira correcta, séria e honesta, sem recurso a spam, phishing, comportamento ou linguagem ofensiva ou desrespeitosa, nudez, incentivo ao ódio ou à violência, conteúdo gráfico ou violento, automutilação, bullying ou assédio, qualquer tipo de actividade criminosa, exploração ou violência sexual ou venda ilegal de bens regulamentados, respeitando os padrões de comunidade do Facebook e os mais basilares pressupostos de convivência em comunidade.

Apesar disso, o Opina – Espaço de Divulgação Cultural, viu bloqueados as suas funcionalidades de partilha de conteúdos, sem justificação ou motivo apresentado para a acção tomada, e sem qualquer tipo de resposta à reclamação endereçada no seguimento de tal bloqueio.

Enquanto instituição que utiliza o Facebook enquanto meio de divulgação de conteúdos culturais e de cidadania, preocupa-nos que uma plataforma que preza “a partilha de informação como forma de tornar o mundo mais aberto e ligado” use de modo arbitrário as sanções à sua disposição para limitar quem trabalha para o mesmo fim, assim como estranhamos que tal acção tenha ocorrido dias depois da publicação de um artigo de relevância económica e política, neste caso, de apoio a uma petição (que entretanto chegou à Assembleia da República), contra a exploração de petróleo na costa Portuguesa.



Assim, e em jeito de conclusão, apelamos a que o Facebook reveja os critérios (ou a aplicação dos mesmos) pelos quais regulamenta o fluxo de informação na sua rede; ao espírito crítico dos cidadãos que consomem, comentam e partilham informação, pois nestes recai a possibilidade de, através da sua exigência para com a qualidade e rigor informativo, melhorar os padrões da informação fornecida nos meios de comunicação social; e a que se partilhe este apelo como garante que, este e outros espaços de divulgação informativa de qualidade, que trabalham para tornar a rede global a que chamamos internet, um local mais amplo, mais rico em conteúdos culturais e de cidadania, não sejam alvo de sanções que, segundo os padrões de comunidade do Facebook, não lhes deviam ser aplicados.

A todos os que nos lêem e divulgam o nosso muito obrigado!


Nuno Soares

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Porque nem todos os ursos são pardos

Ontem saía do trabalho, nos arredores de Londres, pouco depois da uma da manhã e, não tinha ainda andado 20 metros em direção a casa, depois de me despedir dos colegas que comigo trabalham, e eis que me deparo com um homem, jovem, na casa dos 20, munido de considerável pilosidade facial e usando um taqiyah (chapéu redondo de uso comum nas comunidades muçulmanas) que fazia a mesma rua que eu mas no sentido inverso. Consigo trazia um cartaz que, ao me ver, levantou. Tinha escrito:

“I am a muslim, I’ve been told I’m a terrorist. I trust you. Do you trust me enough to give me a hug?” (Eu sou muçulmano. Foi-me dito que sou um terrorista. Eu confio em ti. Confias em mim o suficiente para me dares um abraço?)

Fig. 1: Taqiyah

Sendo eu uma pessoa de natureza afável, e até um bocado patego, de sorriso na cara saiu-me: “Oh! But of course, man.” E abracei-o. Abracei-o com força. E 2 coisas inesperadas aconteceram. A primeira foi que ele não rebentou, coisa que às vezes acontece a quem dou abraços, porque eu aperto para aleijar, e a segunda é que a conhecida bactéria da peçonha que, como toda a gente sabe, os muçulmanos têm e que transforma até as pessoas mais moderadazinhas em radicais com desejos de sangue e violência não me atacou da maneira como eu vejo nas notícias, políticos, comentadores, e transeuntes dizerem que ataca e que o melhor é fechar fronteiras e plantar muitas árvores entre “nós” e “eles” para o ar ficar bem filtradinho de maneira a não haver cá trocas de oxigénio entre os pulmões do pessoal. Durante dois ou três segundos ainda me deu para a maluqueira e veio-me à cabeça “aaah isto agora era ir que nem um maluco… dormir, dormir que já é tarde e eu estou cansado”, e foi isto.

Trocámos breves palavras, teremos falado no máximo minuto, minuto e meio, no qual lhe disse o quão importante era o que ele estava a fazer para construir uma sociedade em que pessoas de qualquer religião ou sem religião alguma, possam viver juntas, como vizinhos, como colegas, como amigos, como familiares, sem medo da diferença e sem preconceito pelo outro. Agradeci-lhe e desejei-lhe boa sorte.

Ele agradeceu, comovido.

Segui o meu caminho e já em casa, após uma breve pesquisa na internet fiquei a saber que o que aquele rapaz estava a fazer não era único e que tinha sido inicialmente feito, tanto quanto consegui descobrir, em Toronto, no Canadá, onde um grupo de muçulmanos organizou uma acção de sensibilização para explicar a diferença entre o islão e idiotas (eu sei que é difícil, começam ambas por “i”) que usam esta religião como desculpa para encherem os bolsos de dinheiro, para exercerem o poder das armas indiscriminadamente sobre quem conseguem subjugar e para viverem como querem, sem estarem sujeitos a qualquer lei ou regra que não as do grupo que representam, bandidos portanto.

Para concluir, e em jeito de partilha, deixo-vos o vídeo da acção de sensibilização em Toronto que está a inspirar outras em vários pontos do mundo, inclusive, parece, em Londres. 



Nuno Soares

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Muthure's Place - Depression

She tells me she’s depressed. 
She says life is a waste of time. 
She cries to me with tears in her eyes about the injustice of it all. 
She talks about her Struggle 
Her Fight 
Her… Demon. 
The one that has no horns 
No tail 
And is not red. 
He’s fly… with that effect. 
You know, the one that gets you high? 
Not the I-seriously-can’t-see-anything-clearly high, 
More like the Oh-my-goodness-I-never-thought-I-could-see-such-beauty-without-my-eyes high. 
He’s not the If-at-first-you-don’t-succeed-brush-yourself-off-and-try-again type of guy. 
More like the I’m-so-damn-smooth-and-I-know-you-know-it-so-why-pretend-you-don’t-love-it-ma? type. 
Lauryn’s Mr. Intentional 
The sweet-talking, confident-walking, not-into-stalking UNLESS he’s on the receiving end guy. 
That devil-on-your-shoulder-with-that-deep-voice-to-die-for-telling-you-to-just-eat-that-chocolate-only-just-after-you’ve-resolve-to-lose-those-hips 
Then-complain-about-your-‘60-kg-ass’-when-you-tell-him-you-can’t-fit-into-that-little-dress-he-likes-when-he-asks-why-you-aren’t-wearing-it. 
That demon. 

She says she’s depressed and doesn’t know why. 
She tells me she’s possessed 
By a demon 
That knows nothing and at the same time everything about her. 
A demon 
So small it could pass unnoticed if you didn’t know it existed 
But large enough to block out the sunlight filtering through the windows to her soul. 



She tells me she’s cold inside 
But that she’s got the hots for the Demon. 
She says she thinks the Demon is taking over her brain, 
Making her one of those cannot-be-seen-dead-in-one-of-those-sweaters ladies 
Or worse still, she says, one of those my-tiny-tiny-clothes-just-happen-to-have-a-higher-IQ-than-my-even-more-mini-brain type women. 
She says she doesn’t like it. 
She tells me she wants the Demon exorcised 
And says she’s heard about a good priest 
That doesn’t charge too much for that kind of thing, you know? 
Problem is; 
Apparently her Demon goes to church. 

She tells me she’s depressed 
And I tell her to shut it.

Joy Muthure

domingo, 15 de novembro de 2015

Crónica Social - A minha aldeia



Soube hoje que o Sr. César e a D. Clementina passam longos tempos na sua aldeia – a célebre Galveias, que é também título recente do escritor José Luís Peixoto. Foi a filha destes vizinhos já velhotes que me contou. Disse que a mãe, doente crónica e deprimida, ganhava vida por lá, à conversa com as pessoas da aldeia e que o pai, já muito debilitado pela doença, se sentia melhor e estava um pouco mais ativo.
Ela própria e o marido tinham tentado ir viver na aldeia mas não correu bem, ele ficou sem emprego e tiveram que voltar.

- Quem sabe se na segunda vez dá certo…, dizia-me ela antes de nos despedirmos.

Todos temos uma aldeia.
Existem várias no meu mapa afectivo. Por mais que seja alfacinha nascida na Maternidade Alfredo da Costa e criada num lugar à beira do Tejo, que nem uma aldeia era. Por mais que tenha crescido sem as rotinas de ‘ir à terra’. Por mais que os meus pais não tivessem por hábito visitar os parentes e amigos que ficaram nas aldeias de origem. Por mais que tivesse crescido num tempo histórico em que as cidades e, em particular os subúrbios de lisboa, começaram a ser urbanizados. E com essas casas e bairros que cresciam em altura, crescia uma certa ideia de anonimato, de progresso, de mobilidade social, de independência do controlo social típico das aldeias, com o sonho de estilos de vida urbanos mais próximos das grandes capitais europeias e mundiais dos países tidos como desenvolvidos – ganhava terreno o Individualismo exacerbado.

Nas décadas de 70 e 80 do século passado, as aldeias ficaram conotadas com um certo ‘atraso’ que era necessário superar. Embora em simultâneo e um pouco paradoxalmente, persistisse um sentimento de que era nas aldeias que tinham ficado redutos essenciais de autenticidade.

Durante muitos anos ir para o campo, por oposição a ir para a praia, significava descansar e ‘carregar baterias’ com uma noção mais ou menos romanceada e idealista da vida rural. Como um postal. Ou uma opção menor. Identificada com uma certa pobreza, um certo despojamento do que se acreditava ser o desenvolvimento. Fazia-se turismo quanto muito. As aldeias eram pitorescas mas não eram locais onde se desejasse viver.

Hoje é diferente. As aldeias estão na moda.
Infiltra-se em todo o lado a necessidade de êxodo urbano. Por moda ou por argumentos vários, cultivam-se hortas, fazem-se passeios pedestres, participa-se na vida cívica e cultural.

Nas aldeias fazem-se projectos inovadores. É lá que se experimentam movimentos, que se agregam pessoas. É para lá que vão viver estrangeiros e nacionais esclarecidos. É por lá que circulam capitais culturais diferenciados. É lá que se escapa ao estilo de vida dominante e se constroem tecidos sociais novos. Mas ainda não é um movimento demográfico ao contrário.

Onde é que me sinto verdadeiramente em casa?
É na aldeia que estão as minhas raízes. Por mais que no meu caso sejam raízes aéreas.
Como eu não sou uma árvore, posso enraizar em vários sítios. Uma teia de aldeias, um rizoma com muitas ramificações.

Os meus pais eram migrantes rurais da zona Oeste, com as suas aldeias bem identificadas nos afectos, nas maneiras de ser e nas convicções. Só mais tarde, já eu era mãe, é que regressei à aldeia do meu pai. Onde tínhamos casa e por onde, durante duas décadas, organizámos uma transumância de Verão que alimentava a força anímica da minha mãe e servia de resposta familiar nas férias escolares dos meus filhos.

Na minha juventude fui adoptada pela aldeia de uma amiga perto da serra da Lousã. Foi lá que aprendi a lavar roupa na levada que vinha da serra, a falar com sotaque, a gostar de broa feita em forno caseiro, a comer almece, a colher milho, a perceber as famílias grandes e alargadas, a ir aos bailes de aldeia e a lidar com a censura social. Na Suíça, vivi também numa aldeia num ano de 1979 em que o meu mundo ficou muito maior.

Cresci e vivo na quase aldeia chamada Caxias. Vivi duas décadas noutra aldeia próxima chamada Barcarena. Nasci, trabalhei e estudei em Lisboa e percebi que é uma cidade com muitas aldeias dentro. Fiz parte de socializações nos diferentes trabalhos muito semelhantes à vida de aldeia.
Em todas estas aldeias lancei raízes e estes territórios fazem parte da minha história.

Num mundo globalizado é importante reconhecer a nossa família, que pode ser de sangue e afectos e o nosso território pode ser formado por uma teia de espaços; e talvez até por lugares entre esses espaços.
Na verdade tenho muita facilidade de me sentir bem nas aldeias dos outros. E não consigo eleger só uma das minhas aldeias. São lugares que me fazem sentir saudades quando não estou lá. Lugares de muitas referências. Lugares de vivências, de memórias e sonhos. Se aumentar a lente, a minha aldeia pode ser Portugal. Pode ser o planeta Terra.

A minha aldeia é feita de muitos habitantes. De caras conhecidas e desconhecidas, de pessoas que fazem parte da minha vida e de outras de quem nada sei. Pessoas que dão raízes e pessoas que não se prendem. Neste meu tempo de vida e de inscrição histórica, a alma de viajante seduz-se também pela ideia de ser hortelã. Eu sei que não combina. Mas não me sinto obrigada à coerência e descobri que podemos ter projetos ‘por enquanto’. Ainda sinto o dilema de apelos muito diferentes e não sei se quero decidir onde será a minha aldeia.
 Eu Sou do Tamanho do que Vejo
Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII"
Heterónimo de Fernando Pessoa




Isabel Passarinho

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Nas Asas da Poesia - Bonito Serviço

 Vim da anilha alhada em pólen
O plástico é ninho de centopeias
Onde nascem as bactérias do cólon
Arborizam ramadas de gotas cheias

Estou num parafuso embrulhado
Abrindo intempéries de caracol
Onde colmeias orvalham piado
Cinzeiro luz nesga de girassol

Espalho-me no muro da colmeia
Pendente nas vinhas d´um coqueiro
Onde o cacho enrosca e serpenteia
Aram araras na flor do centeio

Vou-me tornar vómito de babuíno
Renascer em blocos de azinha
Fuinha suando um suíno
Danada daninha doninha

E quando o pimento queimar
Cristaleira em caruma de chão
Os vermes irão colonizar
As magnólias da minha mão


Paulo D. de Sousa

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Nas Asas da Poesia - Lágrimas

Uma lágrima a nascer
Nesse teu olhar profundo
Duas lágrimas a correr
Vão até ao fim do mundo.

Essas lágrimas que correm
Correm sem ninguém saber
Só tu sabes, mais ninguém,
O que elas querem dizer.

Serão lágrimas de dor,
Física ou emocional,
Ou serão de um amor
Muito mais do que banal?

Serão de contentamento,
Felicidade, alegria?
Serão elas do momento
Mais marcante do teu dia?

Serão elas da tristeza
Que te consome por dentro?
Serão, com toda a certeza,
Verdadeiro sentimento.

Toda a lágrima carrega
Dentro dela a emoção
Que foi crescendo sem trégua
E transborda do coração.


Marco Gago

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Petróleo em Portugal? Não, obrigado!

Em Março deste ano, em resposta a contratos celebrados entre o estado Português e a petrolífera Espanhola Repsol no ano de 2011, foi criada a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), com o intuito de sensibilizar a população Portuguesa para o que está a ser feito neste momento na nossa costa, sem o conhecimento da maior parte da população e que acarreta riscos sérios para a saúde e bem-estar dos Portugueses, assim como para o ambiente e para a economia do país.

Tais contratos, que podem ser vistos aqui, contemplam a prospeção e exploração de hidrocarbonetos de origem fóssil (petróleo e gás natural) ao longo da costa Algarvia, Sudoeste Alentejano, Arrábida, e toda a zona costeira de Peniche a Esposende (podem ver o mapa, aqui). A esta área de prospeção pouco alargada, juntam-se ainda perfurações em terra, ao longo da Beira Litoral, Estremadura e Algarve.

O processo de prospeção já começou em algumas regiões e a Associação de Surf e Actividades Marítimas do Algarve (ASMAA) lançou o alerta através de um vídeo (abaixo, a partir dos 10 segundos) feito na praia do Amado, Alzejur, onde se pode ver o efeito do petróleo na areia e na pele, com o objectivo de sensibilizar as pessoas para o que pode acontecer com maior frequência e numa escala incomparavelmente maior se a exploração petrolífera avançar na nossa costa.



As áreas das concessões de exploração são adjacentes a mais de uma dezena de zonas protegidas ou de especial valor ambiental, entre as quais, de Norte para Sul, se destacam o Parque Natural do Litoral Norte, Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica do Mindelo, Dunas de S. Jacinto e Ria de Aveiro, Reserva Natural das Berlengas, Reserva Natural do Estuário do Tejo, Parque Natural da Arrábida, Reserva Natural do Estuário do Sado, Lagoas de Sto. André e Sancha, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, Ria de Alvor, Parque Natural da Ria Formosa e Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António.

Para além do risco de derrames e do seu impacto para o turismo, a diversidade animal e a qualidade das águas, o processo de prospeção de petróleo em fundos marinhos utiliza tecnologia baseada em ondas sonoras de alta frequência que causa efeitos devastadores na vida marinha e nos sectores económicos, como a pesca, que sobrevivem da captura sustentável de tais recursos. A OCEANA, uma ONG focada na preservação dos oceanos partilha informação sobre o assunto, à qual podem aceder aqui.

Nos últimos meses a PALP tem vindo a organizar várias iniciativas de sensibilização e de tomada de acção, como a exposição Oilgarve, que se realizou durante o mês de Outubro, em Faro, e a petição contra a exploração de petróleo e gás natural na nossa costa que conta já com mais de 7200 assinaturas.

Vários artistas, entre eles, Dário Guerreiro (Môce dum cabréste), Pedro Pinto (Reflect) e Edgar Valente (Criatura) juntaram-se a esta iniciativa, ajudando a passar a mensagem de que algo precisa de ser feito para parar a prospeção e exploração de petróleo antes que os seus efeitos se façam sentir.

Não deixem que este problema vos passe ao lado pois, no próximo verão, a coisa pode já estar preta (e pegajosa).

Por um Portugal livre do flagelo do petróleo, assinem a petição, informem-se e partilhem a informação.



Nuno Soares