quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Cronicas de uma viagem - Caminho de Santiago (parte V)

Cronica 5 – Estranhezas e Saudades

Dia 6 – Porrinõ/Redondela

Dormi bem e acordei descansada às 5h, como já vai sendo costume. Hoje é sábado e o tempo está um pouco mais fresco. Antes de sair fui beber uma ‘bica’ no restaurante da pensão e fiquei à conversa com o dono, que era de Granada e bem mais interessante e simpático do que a mulher – eu estava bem-disposta e aquela breve conversa deu-me ânimo. Sai e deixei Porrinõ de noite e sem saudades.

Ao raiar do dia, num troço em estrada nacional perdi-me das setas e quando eu já desconfiava que teria de voltar para trás, um velhote de lambreta passou por mim e ensinou-me como é que podia fazer para retomar o caminho mais à frente; mas para se assegurar que eu não me perdia novamente, passou um viaduto e foi levar-me à estrada certa – foi providencial esta ajuda porque é mesmo muito difícil qualquer orientação em território desconhecido.

Quando fiquei de novo no caminho, comecei a encontrar outros peregrinos: a Alice, de Málaga que caminha sem mochila meteu conversa e diz que hoje vai tomar banho na praia de Redondela (?), uns jovens de leste que vêm em grupo conversam como pardais numa língua desconhecida, o jovem italiano e os seus 2 amigos que me saudaram alegremente, as 3 mulheres de leste (magríssimas, uma loira, outra ruiva e outra morena), o casal espanhol em que ele é bastante mais novo e tem ar de segurança de discoteca e muitos outros. Eu, de vez em quando, dou por mim a falar sozinha com as setas «Ah, estás aí?» … isto promete.

Quem circula a pé pode prestar atenção a muitos aspetos que habitualmente passariam despercebidos, quer com as pessoas, quer com os espaços, sejam eles naturais ou construídos; e nestes últimos destaco por exemplo as casas, os muros e os portões - Casas de mostrar sucesso na vida. Portões e muros para afastar (ou para proteger?). Casas-homem e casas-mulher. Casas feitas aos bocadinhos, sofridas. Por todo o lado sinais de muita emigração. Esta etapa além de ser mais bonita, passa por zonas mais habitadas, investidas e equipadas, com bastantes cafés que tanta falta me tinham feito ontem. 

Fig 2: Localização de Redondela num mapa da costa galêga
Uma das paragens a meio da manhã foi num café pastelaria na loja de uma vivenda – fiquei impressionada com a beleza dos bolos que podiam estar na montra de uma qualquer capital europeia; mas ainda fiquei mais impressionada com a cara de zanga da senhora (presumivelmente a dona e pasteleira) – e pensei que devia ter uma vida triste. Será que é ela a artista? Quereria estar noutro sítio? A casa é enorme, meia por acabar, descuidada; menos a loja que está improvavelmente cuidada e investida. O sol ilumina a serra em frente com uma luz belíssima, meio enevoada, mas a senhora zangada não deve ver esta beleza. Quem lhe comprará os bolos? Como será a sua vida? As pessoas são tão densas…

Hoje também experimentei o medo, primeiro à saída de Porrinõ quando comecei a ler nos muros avisos de cuidado com assaltos de toxicodependentes (não me cruzei com ninguém mas fiquei mais alerta); depois, quando passei por uma aldeia e me cruzei com um homem que simulava estar a urinar mas mostrava o pénis e a terceira, já perto de Redondela, quando passei por outro homem que estava sozinho num parque de merendas e me pareceu suspeito. Não aconteceu nada em nenhum dos casos e nunca saberei se os receios que estas situações me provocaram tiveram causas reais ou fantasiosas; mesmo assim, na segunda situação soube-me bem que o casal em que ele tinha ar de segurança, viesse logo atrás.

Por outro lado, um dos medos que levava de casa era o de cães ferozes e os cães que tenho visto ficam calados à passagem dos peregrinos, como se já estivessem habituados. Até agora não tinha sentido medos, mas senti muitas vezes a vulnerabilidade aumentada com a noção de que não sabia por onde ir, não sabia se estava no caminho certo e/ou tinha pouco controlo sobre outros aspetos, mas ao mesmo tempo tenho sentindo um aumento de confiança – o que parece paradoxal. E esta vulnerabilidade parece que tem menos peso do que na vida, onde é mais fácil mascará-la. No Caminho tenho aprendido a reforçar as hipóteses de solução e a contar com a ajuda de outros.

São 11.30h e cheguei ao albergue de Redondela que só abre às 13h. Hoje vou ficar por aqui. Apesar da etapa ser bonita teve várias subidas muito acentuadas e achei que preciso de me poupar para conseguir fazer o resto do caminho: os 14 Km de hoje chegam-me muito bem.

Fig 3: Albergue de Redondela
Atravessei a cidade guiada pelas setas amarelas e fui até ao albergue que fica num edifício histórico recuperado mesmo no centro histórico. Estou a gostar da experiência e, pela primeira vez, sinto-me à vontade para me descalçar e sentar-me no chão, encostada à mochila enquanto espero que o albergue abra e olho, com um certo embevecimento, para as botas cobertas de pó. 

À entrada estão outros peregrinos que descansam e esperam a abertura. Nesta espera percebo a existência de chicos-espertos que caminham sem bagagem mas que agora estão à porta do albergue com umas enormes mochilas – não percebo a ideia…mas, enfim, cada um faz o seu caminho (é uma das frases que mais oiço por cá e que me começa a fazer muito sentido).

O albergue abriu, é bonito e ficou cheio de peregrinos num ápice. Um dos aspetos curiosos são as formas como cada pessoa apropria a cama beliche, mesmo sabendo que é só por uma noite. Algumas pessoas trazem lençol e fronha de casa, outras põem tudo muito direitinho em cima da cama, outras à balda, umas mantém quase tudo dentro da mochila, outras não… são impressionantes as variações, sobretudo tendo em conta que os peregrinos trazem poucas coisas consigo. Outras pessoas (como a jovem do beliche ao lado) trazem troféus do caminho: um ouriço de castanha, uma pinha, folhas… fazendo-me lembrar a minha costela recolectora. 

Também varia o que cada um faz, muitos ficam a descansar em cima das camas, uns escrevem, outros telefonam ou ficam nos computadores pessoais, outros tratam logo da higiene e lavagem da roupa, outros saem…mas nas horas a seguir à chegada, as pessoas, façam o que fizerem, tendem a recuperar do cansaço em silêncio. Eu fiz a cama, tomei banho, lavei roupa e dormi uma sesta de duas horas. Custou-me adormecer porque no beliche do lado, a jovem escoteira e a sua amiga (de um qualquer país de leste) estavam a tagarelar alto. Mexi-me, fiz cara feia para perceberem o incómodo que causavam e mudarem de sítio – provavelmente para a sala de convívio. 

Quando acordei fui explorar o albergue e encontrei uma exposição de pintura que apreciei com detalhe; depois fui dar uma volta pela cidade para conhecer a tal «praia». Redondela rima com mortadela - era um nome que não me dizia nada. Mas as baixas expectativas às vezes trazem surpresas: a cidade é bonita, está bem cuidada, tem uma localização fantástica na confluência de vários rios e um centro histórico bem preservado e vivido. É atravessada por canais, tem muitas pontes de circulação pedonal e nota-se que os rios devem ter caudais respeitosos no Inverno. 

A cidade está toda envolta por montanhas muito verdes. Depois de andar uns 20 minutos cheguei a uma albufeira (só podia ser uma albufeira, pensava eu) …mas nada batia certo: cheirava a mar, a água tinha limos e algas marítimas, as gaivotas andavam no lodo perto do pequeno cais de embarque e na praia, havia um pequeno porto com barcos de pesca (semelhantes aos de Sesimbra ou Peniche), circulavam uma espécie de cacilheiros que saiam do local onde eu estava, no meio da albufeira havia uma ilhota com um tamanho razoável e via uma praia com tudo o que as praias devem ter; até maré. E qualquer coisa nas características da água e do vento me dizia que aquilo era mar.

Fig 4: Arredores de Redondela
Em terra havia vestígios de indústria conserveira e os cafés do embarcadouro eram parecidos com os da Trafaria. Só me faltou ir provar a água e juro que não fui apenas por acanhamento. Tudo isto é muito estranho! Este «mar» no meio das montanhas é dissonante, coloca-me perante evidências que não batem certo. Mas por outro lado, porque é que não pode haver um lago disfarçado de mar no meio das montanhas?!

Bem, eu hoje estou «fora de pé», decididamente não estou confortável. Antes de mais, pelo ‘embrulho’ (lavei a minha roupa apresentável e estou vestida de forma pouco airosa) e depois, pelas saudades – de casa, dos meus, da minha zona de conforto. Também não tive nenhum daqueles pensamentos que se impõem durante a caminhada. Quem sabe se a aprendizagem de hoje não é essa? Sobre as saudades, sobre o valor que têm todos e tudo na minha vida, sobre a importância de quem sabe quem nós somos e nos (re)conhece?

O tempo mudou. Aproxima-se uma trovoada. Passar do sol è chuva era algo que não estava nos meus planos. De volta ao albergue (já depois de me ter abastecido para o jantar de hoje e pequeno-almoço de amanhã) cruzei-me com uma espanhola – a Sílvia – com quem conversei um pouco. Ganhei coragem e falei-lhe da minha estranheza no lago. Primeiro, como boa espanhola não entendia o que eu lhe estava a tentar dizer; depois, quando entendeu achei-a perplexa e só me respondeu com a maior naturalidade do mundo «cheira a mar porque é mar».

E eu, de repente, plim, fez-se luz com o recorte particular da costa galega e consegui ver Redondela entre Vigo e Pontevedra, com as entradas de mar. Senti-me muito palerma mas não tinha ideia de que, visto deste lado, pudesse fazer tamanha confusão! Hoje, o melhor que faço é ir dormir mais cedo para ver se amanhã estou menos estranha. Antes de adormecer ainda me lembro do piar desagradável de uns grandes pássaros pretos (Corvos? Gralhas?) que estão em todos os bosques…

Isabel Passarinho

(continua...)


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Cronicas de uma viagem - Caminho de Santiago (parte IV)

Cronica 4 – O Caminho faz-se como se pode
Dia 5 –Valença/Porrinõ

Sai cedo, como de costume, para fazer a etapa até Redondela contando com um percurso de cerca de 31 Km; o plano B, era parar em Moss, uns 15 Km antes, se estivesse muito cansada. [Dormi mal com dores nas pernas. Acordei a meio da noite e, só sosseguei um pouco, depois de uma auto massagem com uma dose generosa de creme]

Antes de sair do albergue ainda troquei umas palavras com umas senhoras de Cascais que me contaram que estavam a regressar sem ter chegado a Santiago: uma porque tinha apanhado uma intoxicação grave com fruta (tratada com produtos químicos) que comeu pelo Caminho e as outras, por solidariedade. Avisaram para não comer nada diretamente das árvores (o que eu registei bem) e desejaram bom caminho. Estavam tristes, mas garantiram que iam voltar para o próximo ano.

Acho que nunca vi tantos ‘nascer’ do sol! Habitualmente, não sou madrugadora mas percebi que, em tempo de calor, é prudente fazer o trajeto o mais cedo possível e que, para além da razão prática também é muito agradável – era quando me sentia mais animada e cheia de energia. 

Atravessei Valença (com tudo fechado) com este ânimo, passei a ponte/fronteira sobre o rio Minho e já estava em Espanha quando começou a clarear. Não tinha bebido café e a primeira paragem foi para tomar um bom pequeno-almoço em terras galegas: sumo de laranja natural, ‘bocadilho de ramon serrano’ e café ‘solo’ (por €5,40 – na passagem para Espanha, a diferença de preços é evidente). O café era familiar e simpático, com uma senhora ao balcão que tinha cara de boa pessoa e falava com os poucos clientes do sofrimento das pessoas nesta crise de emprego e de sustento. [Apesar da maior influência Celta, os galegos são muito parecidos com os portugueses.]

Fiz os quatro quilómetros até Tui pela beira-rio e subi à cidade – o centro histórico, à volta do seu mosteiro/castelo, fica bem alto. [A sinalização do Caminho em alguns locais, sobretudo nos centros históricos das cidades, dá ideia que foi feita também com preocupações turísticas, dando voltas e mais voltas supostamente para nos fazer passar por locais de interesse a visitar. Confesso que, às vezes, fico irritada porque tenho a noção que podia atalhar. Mas não arrisco largar as setas]

Depois da cidade, o trajeto prossegue ao nível do Rio Louro, passando por uma zona húmida com muitos braços de rio e prados, supostamente protegida mas nem sempre muito preservada do ponto de vista ambiental. O trajeto passa por algumas aldeias pobres e tristes. Complica-se, quando passa por grandes troços de estrada nacional e por zonas de eucaliptal, sem sombra.


Uns quilómetros depois de Tui (a bem dizer, perdi um pouco a noção da distância porque o Caminho ficou menos agradável e eu fazia um esforço de concentração) fiz novamente uma longa pausa e veio-me à cabeça as condições de possibilidade: o Caminho não se faz como se quer, faz-se como se pode.

Comecei a ter a ideia de que não sabia se os meus pés me deixavam ir onde eu queria – estava cheia de dores, não eram bolhas, doíam-me mesmo os ossos dos pés; Também me preocupei pela veia que sinto latejar no ouvido e continuo a deitar sangue do nariz. Fiz uma paragem longa num bosque que me pareceu bonito e tive o cuidado de me afastar um pouco do caminho para ficar sozinha e não ter que falar com os peregrinos que vão passando. Precisava de descansar e até talvez dormir um pouco, mas o barulho de uma serra a cortar madeira não deixou… 

O primeiro peregrino que encontrei ainda em Tui foi um homem inglês que não tem um braço e que já tinha visto no Albergue – saudou-me e seguiu mais ligeiro que eu. Muito depois, noutra paragem passou o urso alemão, que parece cada vez mais o bom gigante da história do Guliver. Perguntou em que albergue eu ficaria e eu respondi-lhe que talvez em Moss ou em Redondela. Reparei que o urso alemão tem os dedos de uma mão estropeados - será sequela de guerra? Pareceu-me entender que ele tinha sido soldado (não percebo nada de patentes). Mas fico a pensar sobre quais seriam as tristezas que ele engoliu para ficar assim tão obeso?

Passaram mais peregrinos que não me eram familiares mas esta foi uma etapa dura com pouca conversa, com muita estrada, muito sol e sem cafés. Muitas vezes me passou pela cabeça que não conseguia dar mais um passo…

Uma das longas paragens foi à sombra de um castanheiro perto de umas casas, numa reta que atravessava as tais aldeias com um ar deprimido. Tinha acabado a água no cantil, não passei por nenhuma fonte de água potável e estava aflita com a veia a latejar no ouvido.


Um tempo depois começo a prestar atenção ao estalar dos ouriços e é de facto um espetáculo estar de baixo de um castanheiro imenso no meio de quase nada, a ouvir a música dos ouriços a abrir e a cair no chão atapetado. Mais improvável ainda foi o contato com a senhora da casa ao lado (e dona do castanheiro) que veio saber quem eu era e o que fazia ali. Disse-me com o ar desempoeirado dos galegos que podia falar português porque ela entendia bem e perguntou se eu precisava de alguma coisa. Perdi a vergonha e lá lhe disse que agradecia água. Levou o cantil para casa e passados uns minutos voltou com o cantil cheio mais uma garrafa de água fresquinha e um copo com gelo – tive a noção que este apoio me salvou.

Trocou mais umas palavras, desejou-me bom caminho e foi assar as sardinhas (?) para o almoço, para não perder as brasas. Antes de alcançar o portão, ficou à conversa com outra senhora mais velha (que fiquei a saber ser sua irmã), de muletas, que insistia em saber quem eu era. A irmã mais nova disse-lhe que eu era peregrina, Isabel, de Lisboa e foi para dentro de casa, depois de lhe ralhar por ela se dirigir ao castanheiro, com medo que escorregasse.


Sozinha? Perguntou a senhora de muletas, aproximando-se de mim. Respondi cordialmente que ‘ninguém está sozinho’ e ela pareceu concordar. A seguir começa a falar em galego (só apanhei algumas coisas) sobre a vida, comparando a época da guerra civil e agora, a filha que voltou para a terra com a sua família e já não a deixa cozinhar porque ela não sabe fazer as comidas novas que eles gostam, o marido que morreu à 6 anos e a deixou com grande desgosto, intercalando com comentários do género «ninguém apanha estas castanhas» ou «não sei porque estou a falar tanto consigo se não a conheço».

Não sei se estas duas senhoras tiveram a noção do bem que me fizeram: pelo abastecimento de água mas também porque me fizeram lembrar a minha mãe e isso deu-me muita força. Entretanto, a veia que latejava, parou. E eu continuei caminho.

Andei o que me pareceu ser um caminho interminável por estrada, à chaparreira do sol e ainda parei mais uma vez, à sombra de uma latada elevada em relação à estrada: tirei a mochila, descalcei-me, tirei meias e deitei-me no chão a descansar (acho que dormitei…).

Quando achei que conseguia andar um pouco mais, pus-me a caminho e passei pela zona industrial de Porrinõ, até entrar na cidade.

À entrada o caminho tem duas setas, uma que vai ao longo do rio e outra que se dirige para dentro da cidade – já não sei porquê optei por esta última. Tinha à espera um reta interminável sem sombras, cheia de indústrias e grandes espaços comerciais (El corte asiático, por exemplo, que prometia…). A única coisa boa, foi que também tinha cafés.

Parei no primeiro que vi, bebi dois sumos de fruta quase de seguida, comi uma pequena tapa e vim para a esplanada tomar um café. Só lá estava um senhor que não resistiu a fazer perguntas: para onde vais? De onde vens? Estás sozinha? Não tens medo? São 4 dias a andar bem até Santiago. Fiz conversa de circunstância e logo que me achei capaz, pus-me a caminho; pelo menos, já sabia que faltava pouco para o albergue e decidi não ir mais longe.

Estava de tal maneira cansada e torrada com o calor que fui atrás de outra peregrina e entrei atrás dela numa pensão com a vieira assinalada, sem perceber que não era um albergue. Quando percebi, já estava lá dentro, a senhora já tinha mandado a filha adolescente mostrar-me o quarto e eu já não tive coragem de me ir embora – está limpo, custa €22,00 e pode-se lavar a roupa.

Larguei a mochila e atirei-me para cima da cama. Passado um tempo tomei um banho, tratei da roupa e como estava sem rede espanhola no telemóvel, fui à receção ver se resolvia o problema mas a senhora não sabia e mandou-me a uma loja de telecomunicações. A contragosto, fui. A senhora da loja foi muito gentil e resolveu o problema: depois fui às compras de comida. 

Achei a terra muito feia, não me apeteceu ver nada, não tinha nenhum motivo para estar na rua e fui para a pensão deviam ser umas 5 da tarde; mas a pensão também não tinha graça, sobretudo agora que eu estava a gostar dos albergues e daquela condição partilhada com os outros peregrinos.

Aproveitei para dormir sossegada (sem roncos) e tentar restabelecer-me para amanhã poder prosseguir caminho. E pronto, hoje é isto que o caminho tem para mim. Amanhã, era bom que tivesse menos dores nos pés e nas canelas das pernas… 

Isabel Passarinho

(continua...)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Cronicas de uma viagem - Caminho de Santiago (parte III)

Cronica 3 – Ninguém está sozinho


Dia 4 – Rubiães/Valença

O despertador deu sinal às 5h mas estava a dormir tão bem que fiquei deitada mais meia hora. Ainda me admiro como consegui adormecer com o concerto de roncos de ontem, mas o cansaço deve ter mandado mais e, provavelmente, até me juntei ao coro. Arranjei-me, arrumei a mochila, tomei pequeno-almoço e sai eram quase 7h. Estava uma madrugada bonita de um dia que se adivinhava de muito calor. Não sabia ainda se faria a etapa até Valença ou até Tui, mas acabei por decidir ficar mais uma noite do lado português. A etapa tem 18 Km, é maioritariamente plana e tranquila, passando por Ponte Romana (1Km), S. Bento de Porta Aberta (5Km), Gontomil, Fontoura (8Km), Paços, Tuído (15Km), Arão e Valença (18Km).

Sobretudo no percurso mais matinal, o trajeto é quase todo feito pela estrada romana, por vales e à beira de vários rios, ladeados de vegetação com cheiros incríveis e uma luz meio enevoada cortada pelos primeiros raios de sol…de filme! A banda sonora era constituída só pelo som da água a correr e pelo cantar de muitos pássaros diferentes.

Este é uma terra de abundança onde, por todo o lado, se sente a generosidade da natureza.
Mas também se percebe que é uma terra da construção civil e que as casas são um valor maior do que a sua própria funcionalidade. Existem muitas casas de mostrar, muitas também que reinventam outras paragens e outros climas, muitas que ainda estão inacabadas, outras que ainda lembram o sofrimento do dinheiro ganho para as construir…

O caminho, como a vida, tem de tudo: também passei por uma extensa zona ardida recentemente, que ainda cheirava a madeira e terra queimadas – foi uma sensação de angústia passar pelo meio desta floresta ardida…E os últimos 2Km da etapa foram por meio das aldeias já muito suburbanas e por estrada, sendo a entrada em Valença alcançada por uma subida bastante difícil, sobretudo tendo em conta o calor.

Numa daquelas paragens em que já me mandava para o lancil do passeio mais à sombra passou um velhote na sua deslocação de aldeia, que me desejou ânimo, contando que já tinha feito o Caminho 4 vezes e que faltava pouco para Valença – naquelas circunstâncias estes incentivos espontâneos têm um imenso valor.

Cheguei a Valença, mais propriamente ao Albergue de S. Teotónio (uma vivenda bonita com jardim, ao lado do quartel dos bombeiros) eram 12.30h. – a etapa não foi difícil, mas eu estou cansada a somar, por ontem e por hoje. Quando cheguei o albergue estava fechado, um papel na porta informava que era municipal e só abria às 13h mas estranhei sobretudo não estar ninguém – será que tinham ido para Tui (são mais 4 Km) todos os peregrinos com quem me fui cruzando? 

Passado pouco tempo chegaram o francês fala-barato e o urso alemão, pousaram as mochilas e deram conta de que a casa estava aberta pela entrada da sala que dava para o jardim. O francês, que é veterano no Caminho (fez o Caminho Francês 10 vezes, embora seja a primeira que faz o Caminho Português e logo a partir de Lisboa) informou que o uso nos albergues é podermos pôr as mochilas em fila, por ordem, dentro ou fora e, se estiver aberto, podemos utilizar a zona social (WC, cozinha, sala, zona de lavagens); só não podermos subir para os quartos, enquanto não dermos oficialmente entrada. Segui quem sabe e fiquei ‘esparramada’ no sofá da sala, enquanto o alemão gritava de contente porque tinha conseguido aceder ao hi-fi e o francês fala-barato inspecionava tudo e falava sozinho.

Passado pouco tempo chegou a senhora que fazia o acolhimento, fui inscrever-me, carimbar a caderneta de peregrina, pagar €5.00, receber o lençol e a fronha e subir aos quartos-camarata. Fiz a cama, deitei-me e adormeci logo por cima do saco-cama, mas o francês foi acordar-me por duas vezes: a primeira, para perguntar se eu estava bem (estava, antes de ele me acordar) e a segunda a convidar-me para ir comer salada de tomate com atum (agradeci, mas disse que não tinha fome). Ao fim da segunda tentativa, já não consegui dormir e decidi ir dar uma volta pelo centro da cidade.

A ideia que tinha de Valença demorou bastante a encaixar, porque a cidade está muito diferente e as autoestradas a descaracterizam, com os respetivos acessos e as inevitáveis rotundas. Do albergue ao centro histórico é muito perto e a entrada na fortaleza faz-se pela Porta do Sol. Chocou-me que os carros ainda circulem dentro da fortaleza (que está muito bem conservada do ponto de vista dos edifícios e das praças e espaços ajardinados) e chocou-me que 80% do comércio seja de roupa de casa (cozinha, cama e casa-de-banho) e os outros 20% sejam cafés e restaurantes, mais ou menos vazios. 

Fig 2: Vista aérea de Valença
Até admito que os vizinhos espanhóis gostem (e gastem o seu dinheiro) das roupas para casa mas tanta oferta igual é desesperante. Que falta de imaginação! Não se vê uma galeria de arte, uma loja menos convencional, artigos tradicionais ou um bar/café alternativo, nada para além do mundo dos atoalhados e dos jogos de cama. 

Fui ver o rio Minho, as muralhas com a sua forma estrelada e a vizinha Espanha do outro lado do rio, com destaque para a cidade de Tui que se avista na outra margem, quase em frente. Depois de dar uma volta pelo miolo histórico dentro da fortaleza, deambulei pela parte nova da cidade e fui comprar uma revista e beber um café numa esplanada.
  
Comecei a pensar que tinha sido rude com o Francês fala-barato e que talvez fosse simpático fazer jantar no albergue para comer com ele e com o urso alemão… Estava nestes pensamentos quando sou interrompida pelo francês que também andava a passear: pergunta se está tudo bem (eu devo estar com uma cara mesmo muito cansada) e se não quero jantar com eles no albergue. Digo-lhe que sim e vamos às compras a um supermercado ali perto.

O Serge (soube entretanto o seu nome) deve ter uns 60 e muitos anos, bem conservados e enérgicos, é casado, pai e avô babado e passa a vida a falar da sua família e amigos, numa verborreia que nem sempre é fácil de seguir, mas parece boa pessoa. Está reformado e foi militar. Como o urso alemão, que é muito mais novo, muito calado, tem uns 2m metros de altura e outros tantos de largura, uma barba cerrada que o faz parecer mais velho do que provavelmente é – Hans Joaquim, de seu nome. Não se conheciam de lado nenhum, encontraram-se em Valença e parecem amigos de longa data. 

Fig 3: Albergue S. Teotónio, Valença
Serão umas 6h da tarde quando voltamos ao albergue. A cozinha ainda não tem ninguém o que é bom para darmos início à confeção do jantar, já que depois é mais difícil a competição pelo fogão e pela loiça que é escassa para o número de peregrinos.

Percebo que o Serge quer ser o cozinheiro e não faço questão nenhuma de concorrer com ele. Meto-me a fazer umas bruchetas para entrada com tomate picado, alho e cebola, colocando depois o preparado em cima de metades de pão fresco, temperado com um pouco de azeite e com um pedaço de atum por cima – ficou bonito e foi apreciado, o que me deixou contente; foi apreciado inclusive pelo jovem italiano de Nápoles que falava um inglês perfeito, estava a fazer o caminho com dois amigos e não tinha encontrado o supermercado – ofereci-lhe uma das nossas bruchetas que ele comeu satisfeito. 

[Esta oferta e partilha de alimentos entre os peregrinos é comum. Suponho que também pela razão prática de não se carregar o que sobra, ou se deixa no albergue (os secos) ou se reparte, perguntando a quem está, se quer]. 

O Serge fez um arroz branco para acompanhar um refogado de frutos do mar com tomate que também estava muito bom. E o Hans trouxe um vinho verde para acompanhar que também não era nada mau. Comemos melão de sobremesa. O alemão até estava comovido durante a refeição, que lhe deve ter sabido muito bem.

Enquanto o jantar era preparado, o albergue começou a encher e enquanto jantávamos já havia muita gente por todo o lado. Apesar da conversa à mesa ser interessante, pus-me a reparar que parecíamos todos habitantes marcados do planeta Quéchua, porque todos tinham várias etiquetas desta marca de vestuário e equipamento desportivo – a globalização tem destas coisas…

Uma das exceções à massificação da marca era um homem mais velho que apareceu no final do nosso jantar, com um cabelo comprido grisalho, magro e que dava nas vistas sobretudo pela t-shirt feminina que vestia, muito garrida e com flores. Não percebi a nacionalidade mas falava várias línguas e ficou à conversa em francês com o Serge fala-barato no final do jantar.

Entretanto, eu fui ao computador da sala enviar uma mensagem porque não estava a conseguir fazer chamadas. Fui rápida porque ainda estou traumatizada com o vírus que tomou conta do meu outro endereço eletrónico e perguntei na receção porque não tinha rede. A senhora foi muito gentil, explicou-me que o problema era a operadora telefónica espanhola «entrar por ali a dentro» e ajudou-me a reconfigurar o telemóvel para continuar com a rede portuguesa. 

[Realmente, hoje as fronteiras ainda são mais fictícias do que antes (mas ‘antes’ quando? As fronteiras sempre foram convenções...)] Bom, falei com quem queria falar e fiquei descansada.

Estava uma noite com uma temperatura fantástica e uns raios de vermelho no céu já escuro. Muitas pessoas estavam à conversa ou só a descansar no jardim. Eu fiquei a fumar um cigarro sentada nas escadas. Ao lado estava um casal português (de Vila Franca de Xira) que já vinha de regresso de Santiago. Estivemos um bom bocado à conversa: conheciam bem o Sobral de Monte-Agraço, já tinham feito caminhadas por lá, em algumas das quais eu também tenho participado e estavam inscritos num grupo de caminhadas que me interessava conhecer melhor.

Um pouco antes das 10h da noite fui-me deitar. Antes de adormecer pensava que por aqui ninguém está sozinho. Ou melhor, estamos e não estamos, na medida em que cada um quiser (ou não) interagir com os outros – o sentimento de solidão depende pouco de estarmos fisicamente sós ou acompanhados. 

Hoje foi um dia em que muitos outros estiveram presentes, tanto aqueles que andam sempre comigo, como estes conhecimentos de circunstância. No suposto que, mesmo em grupo, cada um faz o seu Caminho, não deixa de ser surpreendente uma certa predisposição para o respeito, para a gentileza e para a generosidade com o outro que se sente por aqui. Que diferença de humor em relação à noite anterior, em Rubiães! 
Em Valença o ambiente no albergue era tão bom que me foi fácil ir falando com várias pessoas, apesar da minha característica timidez… E agradeço ao Serge ‘fala-barato’ (que não voltei a ver) e ao ‘urso’ Hans o único jantar partilhado que fiz no caminho.

Isabel Passarinho

(continua...)


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Cronicas de uma viagem - Caminho de Santiago (parte II)

Cronica 2 – As setas amarelas são as nossas melhores amigas

Dia 3 - Ponte de Lima / Rubiães

Esta é uma etapa de 19 Km, considerada difícil, em especial pelo troço de 4 Km na subida da serra da Labruja. O Caminho passa por Sabadão (1Km), Arcozelo, Ponte de Geira, Labruja (9Km), Cruz dos Matos (12 Km), Ponte de Agualonga, São Roque (17Km) e Rubiães (19 Km). Em relação ao traçado e à dificuldade é possível dividir esta etapa em 3 troços: o primeiro serpenteia junto ao rio, com subidas suaves, quedas de água idílicas e pequenas aldeias com os moradores ocupados a trabalhar nos campos ou a cortar lenha.

[Todos saúdam à passagem dos peregrinos.]
Passamos por grandes pedaços da estrada romana (Via romana XIX que ligava Astorga, nas Astúrias a Braga) ainda em bom estado e andamos por baixo e ao lado de grandes viadutos rodoviários - é como se estivéssemos a atravessar várias camadas de tempo, com modos de vida muito diferentes que coexistem, sem se misturarem. Penso na coragem das pessoas que vivem nestes sítios isolados…

O segundo troço do caminho (que parece muito mais longo) é uma subida de serra quase a pique por veredas íngremes cheia de pedregulhos. Fui fazendo bastantes paragens para descansar e beber água, aproveitando as boas sombras. Usei o truque de me fixar apenas nas pedras que pisava e evitar olhar para o horizonte do caminho que, no caso, era devastador com a inclinação e a extensão das subidas. É uma prova de resistência, a lembrar nas dificuldades da vida. O terceiro troço é a descida da serra, que achei também muito difícil, sobretudo numa altura em que eu já não comandava os pés.

Aprendi hoje que são as setas amarelas que tornam possível fazer o Caminho. O esforço é de cada pessoa mas são elas que fazem a diferença entre prosseguir, ou não. A mim, não me seria possível fazer este trajeto se não estivesse bem assinalado. A humildade de estar atenta aos sinais que a experiência dos outros traçou para nós, de confiar (e de depender) mais neles do que nos palpites próprios, foi uma aprendizagem exigente.

Parti do albergue de Ponte de Lima um pouco antes das seis da manhã, ainda era de noite. Quando no dia anterior tinha perguntado que direção devia tomar, a senhora disse-me que era «por ali» apontando a direção, mas nem ela me detalhou o «ali», nem eu perguntei mais. Meti-me pela estrada que achei certa e toca a andar cheia de ânimo.

O ânimo começou a esmorecer um pouco, quando da estrada secundária passei para uma nacional e nada de sinalização do Caminho – pensava com os meus botões ‘…e dizem eles que o Caminho está bem assinalado?! Só se for para quem é de cá’. Andei mais uns quilómetros, a subir, e cheguei a um ponto em que me convenci do engano e que teria de voltar para trás. [Percebi mais tarde que deveria ter tomado o que me pareceu um caminho rural sem saída imediatamente contíguo ao edifício do albergue que seguia pelo vale e com isso teria poupado cerca de 3 Km].

Antes de me por a caminho de volta ao ponto de partida fui ver o meu caderno de notas para verificar o nome das terras intermédias da etapa e dei com Arcozelo, cujo nome já tinha visto assinalado numa placa da estrada – terra salvadora, andava até essa localidade e depois procurava encontrar o Caminho. Foi o que fiz. Prossegui caminho pela estrada nacional na direção de Arcozelo, ladeada por serra florestada mas sem grande movimento dada a hora. Ainda pensei nos perigos de circular sozinha mas depois comecei a pensar que devia estar protegida pela condição de peregrina. Entretanto amanheceu e entrei no primeiro café de beira de estrada que encontrei. 

Era enorme, estava vazio de clientes e tinha apenas um casal (presumo que os donos). Perguntei se faltava muito para Arcozelo e ganhei vida quando me disseram que estava em Arcozelo. Pedi o pequeno-almoço e depois de comer, já restabelecida, meti conversa com a senhora, dizendo que me tinha enganado no caminho e se ela me podia dizer onde o poderia apanhar: ‘É já ali à frente, toma a estrada que curva à direita depois do café a seguir e desce até ao rio. Está sozinha?’. Ao que eu respondi que sim e ela, estranhando, fez uma conversa religiosa, do género ‘que Deus a acompanhe’. Ainda comentou a crise e como tinha saudades dos tempos em que àquela hora tinha o café cheio de operários da construção civil, defendendo que ‘por aqui, a construção dá de comer a muita gente’. Fiquei a pensar na conversa e em que modelo de desenvolvimento é este que nos faz depender de males que consideramos necessários.
Eram 7.30h quando saí do café, atravessei parte da localidade, fui dizendo bons dias às pessoas com quem me cruzava, desci muito e em cada cruzamento tive imensas dúvidas. Alegrei-me com o avistamento da primeira seta amarela e percebi que não as podia largar. O Caminho é muito duro, mas simultaneamente muito bonito. O Minho tem muita água, uma natureza abastada e a paisagem marcada pela intervenção humana ainda é harmoniosa, quer na atividade agrícola (as latadas, os espigueiros, as pilhas de palha a secar, os lameiros…), quer nas casas, com muitos sinais de emigração.

A 2 Km de Rubiães apareceu um oásis – uma roulotte com esplanada no quintal de uma vivenda com um grande letreiro que dizia ‘Bar Coura’. Um casal com uma menina gorducha tomava conta do negócio. Pedi um sumo, uma sandes e um café, descansei um pouco e comecei a acreditar que podia chegar ao fim da etapa. Uns peregrinos paravam para comer e descansar, outros seguiam caminho e saudavam: bom caminho! É curioso porque a diversidade de peregrinos é muito grande mas, toda a gente sorri e faz votos de bom caminho, em português ou espanhol. 

Fixei alguns que fizeram esta etapa desde Ponte de Lima e, como não sei quase nada sobre eles descrevo-os por algumas características que se salientavam: o francês fala-barato; o alemão grande e gordo como um urso; o casal inglês de meia-idade, ele empresário e ela ‘housewife’ (em inglês ainda soa pior), com ar de caminhantes profissionais; um pai e uma filha adolescente, muito ruiva, que falavam inglês; um casal de alemães jovens, bonitos, com um ar roqueiro; uma jovem estrangeira muito alta que parecia uma girafa; duas alemãs que pareciam mãe e filha; um senhor de bastante idade que parecia um gafanhoto e uma jovem nórdica… de certa maneira, com a partilha da condição de peregrino é como se algo nos unisse, dando uma sensação de pessoas conhecidas, familiares, quase vizinhos.

Na chegada a Rubiães as setas colocavam-nos na estrada nacional (com várias pensões particulares a apelar à estadia de peregrinos – estas rotas também são um negócio e sustentam muitas atividades económicas) e depois tornaram a meter pela floresta ainda por uma boa distância. De novo tive receio de estar perdida, não do Caminho porque estava a seguir as setas, mas do albergue onde tinha escolhido ficar.

Finalmente, o albergue. Não sei porquê, imaginava que seria um edifício conventual e afinal era uma escola primária recuperada e adaptada com financiamento europeu. O funcionário da receção, ao contrário da senhora de Ponte de Lima que era acolhedora e dava todas as informações, era pouco falador e tinha um ar de frete. Fez uma pergunta que já me começa a irritar ‘Veio sozinha?’ e comentou ‘Hoje, estão cá 5 portugueses’. E eu com isso? Não vim socializar. Hoje não estou bem-disposta, apeteceu-me avisar.
Apesar de tudo, no caminho mantive o ânimo, mas agora sinto-me sozinha. Lembro-me de alguns aspetos da minha vida e pergunto-me porque estou eu a fazer o Caminho?!


Deixei os pertences no beliche e fui descansar um pouco à sombra. Depois fui para a fila do duche, tomei banho e mudei de roupa. Fui lavar a roupa suja da viagem e estendê-la. Voltei para a camarata e tentei dormir um pouco mas uma das tais criaturas portuguesas começou a falar ao telemóvel, em voz bem alta. Levantei-me e fui dizer-lhe que não podia perturbar o descanso de tanta gente – pediu desculpas; pareceu-me um velho meio tonto que veio a reboque de outros amigos mais concentrados.

Eram umas 6h da tarde e não me apetecia dar nem mais um passo, mas fiz um último esforço de 1 km por estrada (dois, para ir e voltar) para encontrar abastecimento: uma primeira paragem num restaurante para um café e um arroz doce ‘de compensação’ e uma 2ª paragem num café-mercearia para comprar alimentos que garantissem o jantar de hoje e o pequeno-almoço de amanhã.

Na volta ao albergue, cozida com calor (será normal neste Setembro tardio temperaturas de trinta e muitos graus no final do dia?) voltei a apanhar fresco no Páteo, sem saber muito bem o que fazer. Chateia-me o predomínio de alemães, são muitos e fazem muito barulho. Vi uma estatística no albergue de Ponte de Lima que os identificava como a segunda nacionalidade a fazer este Caminho, muito perto dos portugueses, na casa dos 1700/ano. Estou estoirada.

Isabel Passarinho

(continua...)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Crónicas de uma viagem - Caminho de Santiago

A presente crónica narra a viagem de uma peregrina pelo caminho português de Santiago. Dada a sua extensão e o formato de diário que este texto apresenta, optei por publicar, separadamente, as várias crónicas que compõem a viagem, de modo a facilitar aos leitores o acompanhamento deste percurso.

Aproveito também para agradecer à Isabel Passarinho por amavelmente ter cedido ao Opina - Espaço de Divulgação Cultural as presentes crónicas, de sua autoria. Dito isto, desejo-vos a melhor das leituras.

Nuno Soares


Entendo os Caminhos de Santiago como uma metáfora da vida.
Achei que precisava desta viagem para eliminar ruido à minha volta e ouvir a minha voz, aquela voz que vem do coração e ajuda a separar o essencial do acessório, que ajuda a integrar pedaços descosidos e a projetar futuros.
Este ano fui fazer o Caminho Português de Santiago a partir de Ponte de Lima – isso nada teria de extraordinário se eu não fosse já um pouco ‘cota’ (53 anos) e se não fossem os desafios presentes em todo o projeto: nunca tinha ido de férias sozinha; não andava de mochila desde os meus 20 anos; nunca tinha andado tanto a pé (mais de 170 Km); nunca tinha dormido em albergues; não tenho uma preparação física excecional e não tenho motivação religiosa.
Tanta novidade merece que eu conte a história desta aventura - e é o que me proponho em 10 crónicas mais ou menos caóticas e sem pretensões literárias.
Partilhar a experiência, no seu misto de viagem espiritual e de percurso reflexivo e inspirador de muitas aprendizagens é muito mais do que dizer como se chega Santiago; e, por mais que muitos aspetos desta viagem sejam indizíveis é sempre uma superação.
Bom caminho!


Cronica 1 – Falsa partida
Dias 1 e 2 - Lisboa/Braga/Ponte de Lima (de camioneta)

12.00h - Falta uma hora e meia para a camioneta. A sala de espera do terminal rodoviário parece um formigueiro, com gente em trânsito, pessoas de todas as cores e feitios que arrastam bagagens igualmente diversas. Cheguei com muita antecedência, depois de fazer uma paragem numa superfície comercial para comprar uma lanterna pequena e uma corda para atar o saco cama à mochila e de ter conseguido encontrar um lugar grátis para estacionar o carro. [Estou a ultrapassar a estranheza de circular com roupa desportiva e de mochila às costas. Tenho ideia que as pessoas olham para mim. Deve ser pela idade. Será menos frequente ver senhoras de 50 anos nestas andanças …ou sou eu que não estou acostumada.]

Tinha decidido quase de véspera fazer o caminho português. Nunca parece o momento certo para fazer uma viagem destas e à semelhança das coisas que não se podem levar, parece que se deixa tudo e todos para trás. Na decisão pesou o preço da viagem e o grau de dificuldade, mas decidi uma semana antes, não mais. Pelo contrário, a decisão de ir fazer o caminho de santiago foi tomada com muita antecedência.

Era uma vontade antiga que foi sendo adiada por circunstâncias da vida, por inércias e medos e cujos contornos de motivação também se foram modificando, à medida que eu própria também ia mudando – agora, não tinha nenhum bom argumento para não ir. Talvez seja este um dos aspetos que me parece essencial: tomar a decisão de ir; depois, o resto vem por consequência, são detalhes técnicos. Tomar a decisão verdadeiramente, implica um compromisso que cada um faz consigo próprio sobre o que se propôs, onde não existe lugar para as boas desculpas.

Depois o «como é que o vai fazer» é uma cadeia de decisões mais pequenas que se vão colocando…mas é uma provação cumprir a decisão. Desde os fatores externos, como a pressão que algumas pessoas mais próximas fizeram (que foi do ‘não vás!’ ao ‘sempre vais?’, à semana anterior à partida em que tive imenso trabalho e aos aborrecimentos causados por um endereço de email pirateado), até aos fatores internos, como os medos e as dúvidas que me assaltaram. A preparação da saída é muito mais do que fazer a mochila e, nem isso foi fácil.

Na mochila (emprestada, porque achei que não seria o caso de fazer investimento porque habitualmente não utilizo) consegui colocar o que pensei levar, mais os receios ‘não sei se aguento’, ‘vai doer-me a solidão?’, ‘e, se for roubada?’, ‘e se chove?’… 

Foi decisivo ter começado a dizer a toda a gente com 2 meses de antecedência que iria fazer o Caminho. Partilhar esta informação, significou ao mesmo tempo um reforço da ideia de ir e uma oportunidade de conhecer alguns dos mitos que estão associados ao caminho: ‘também gostava muito, mas…’, ‘é muito difícil, não estou preparada’, ‘é uma promessa?’, ‘com quem vais?’, ‘não tens medo?’, …

No caso, tenho 53 anos, os filhos estão criados, os meus pais já faleceram, não tenho dependentes a cargo (a não ser financeiramente) e podia meter duas semanas de férias para realizar este projeto (que é low cost) e foi encarado como uma espécie de teste-prenda a mim mesma. Sozinha? Bom, fazer o caminho sozinha aconteceu, não foi propriamente uma escolha deliberada. Não sou fã de excursões organizadas e dessa forma não o faria, mas sobretudo não coincidiu em tempo que ninguém das minhas relações/afetos tivesse tido a mesma vontade e possibilidade. E como tinha tomado a decisão de ir, fui.

13.30h – Acabei de perder a única camioneta que havia para Ponte de Lima. Estava no cais de embarque com 20 minutos de antecedência, sozinha, em pé. O autocarro chegou à hora com poucas pessoas, parou por uns minutos para retirar as bagagens, o motorista saiu e sem que eu tivesse visto entrou e partiu de imediato sem ninguém.

Demorei um bocado a perceber o que se tinha passado: primeiro pensei que o carro tinha ido abastecer combustível mas depois, com o tempo a passar, percebi que o tinha deixado escapar mesmo à frente do meu nariz. Danada, fui à bilheteira confirmar o desaire e converter o bilhete para Braga. Para Ponte de Lima só amanhã à mesma hora e perderia o dinheiro do bilhete, por isso decidi ir para Braga (com saída às 15h) e depois logo verei o que se segue.

18.00h – Vou de viagem rumo a Braga. Vou à larga. Espreito um programa horrendo que passa na TV, olho a paisagem e vou trocando mensagens com os meus mais próximos. Começo a sentir o afastamento da minha zona de conforto. Quanto ao ato falhado, começo a pensar ‘como e porquê’ é que isto me acontece. De vez em quando protagonizo episódios destes, entre o ‘nonsense’ e uma certa falta de prontidão, de excesso de contemplação, de ser pouco prática em algumas ocasiões. [os pensamentos introspetivos são interrompidos por uma certa agitação no autocarro].

Já chegámos a Braga? – é a pergunta repetida, muito repetida de um senhor que se agita no banco, levanta-se e dirige a pergunta a cada passageiro à sua volta. O homem, alto, magro, africano, relativamente novo, com uma deficiência mental evidente, embarcou em Lisboa como eu, e desde Gaia pergunta ‘Já chegámos a Braga?’. Pergunta alto e com tanta insistência que já todos lhe respondem. O Motorista tenta acalmá-lo e diz que o avisa quando chegar a Braga. O homem diz que vai ver um tio, que tem saudades, que é no Braga Shoping. São as passageiras mais velhotas que melhor falam com ele, com bonomia e compreensão. O homem continua a perguntar ‘ O BragaShoping é aqui, não é? É aqui? É aqui?’. Dá sinais de estar inquieto, questiona os passageiros do lado, de frente e de trás: ‘Não sabe onde é?’ O Braga Shoping é por aqui? Centro comercial, não é? Levanta-se (é muito alto e curva-se para não rasar o teto do autocarro), vai para o pé do motorista e continua com a mesma pergunta repetida, parecendo não ouvir o que lhe dizem.

Estamos ainda pouco habituados a conviver com a diferença e, em particular com a deficiência, nos contextos habituais de vida mas esse também é um caminho que está a ser feito.

20.00h – Em Braga está um anoitecer lindo e um calor alentejano. Já não cheguei a tempo de apanhar a última camioneta para Ponte de Lima, mas pedi os horários e a partir das 8h de amanhã o transporte é frequente. Por hoje terei de ficar em Braga.

Sai do terminal e fui farejando a cidade (tenho um bom sentido de orientação) até ao centro histórico – está muito mais bonito do que o que recordava de outras passagens pela cidade. Passei por um hostal que me pareceu uma boa hipótese para passar a noite. 

Fui jantar um bitoque adolescente que me carregou baterias e entretanto passou o mesmo homem do autocarro. Continuava a perguntar a toda a gente onde era o BragaShoping, mas tinha o olhar muito mais triste. Pelo visto, ninguém o esperava no terminal. Um casal jovem, deu-lhe indicações precisas e um cigarro que ele pediu. Depois seguiu noutra direção…

De mochila às costas, rumei ao hostal – €18,00 por noite em quarto com 4 camas – simpático e bom para me habituar aos albergues. Casa IKEA, bonita, prática, chave eletrónica para a porta do quarto, um gavetão no beliche com os lençóis para fazer a cama. Todos os outros hospedados estão na casa dos 20 e o jovem da receção, também; devem estranhar a cota, mas são simpáticos. Depois de me instalar e de tratar da higiene ainda fumo um cigarro na varanda, ao mesmo tempo que faço palavras cuzadas e termino os telefonemas.

Dia 2 - 10h

Dormi bem, apesar do calor. Como não fiz grandes preparativos e a semana anterior e o próprio fim-de-semana foram ‘a mil’, a passagem por Braga criou uma ‘almofada’ entre a minha vida acostumada e o Caminho…vou-me habituando à ideia de ir caminhar e à mochila - de fato, quando temos de carregar o que é nosso, a definição de essencial torna-se mais estreita.Fiquei fã do hostal que para meu espanto ainda tinha um excelente pequeno-almoço – tomei-o numa mesa corrida cheia de jovens alemães. Depois fui beber um café a sério numa das praças centrais e segui para o terminal rodoviário. Para já mantenho os vícios: café e um cigarro, de vez em quando.

Segui calmamente, a apreciar cada detalhe da cidade e ao passar nas lojas-bazar que ladeavam a estação rodoviária veio-me à ideia esta coisa da identidade portuguesa que é notória por uma série se símbolos, de tradições e de traços culturais. Na estação rodoviária circulam velhos portugueses com sacos de compras, em circuitos utilitários (suponho eu) e jovens estrangeiros de mochila, em viagem. Ainda não sei o que vou fazer: se fico em Ponte de Lima mais uma noite ou se inicio a caminhada hoje, pelo calor.

11.30h - Desta vez apanhei o autocarro sem problemas. A carreira entre Braga e Ponte de Lima serve sobretudo as populações locais nas suas deslocações regulares e, ao contrário dos autocarros da rede expresso, passa pelo meio das localidades. Transporta maioritariamente mulheres (incluindo a motorista).

No trajeto, destaque para Vila do Prado, uma terra muito bonita ao lado do rio Cávado. Decorria a feira semanal com grande movimento. As caixas de cartão com furos apinham-se no chão do autocarro com piares apertadinhos e quem sai faz votos de boa viagem aos passageiros que seguem. As senhoras do banco da frente falam dos fogos. Têm uma pronúncia local acentuada e usam expressões que não costumo ouvir.
[‘ E se a bouça arde?’ pergunta uma. ‘ Vou juntar a lenha da leirinha lá de cima’, diz a outra ‘tenho é que juntar água em casa... ‘bamos a ber’.] Mudam de assunto para as eleições autárquicas: ‘É o Júlio que se candidata?’, para depois concordarem que ‘não temos sorte com esta gente’. À medida que me aproximo de Ponte de Lima vejo a primeira sinalização do Caminho de Santiago mas ainda me sinto longe e cheia de tudo e de todos que preenchem a minha vida.

13.45h - Está um calor abrasador. O terminal de Ponte de Lima fica na parte nova da cidade e tive de ir até ao rio, seguindo por instinto e parando nas sombras. Finalmente encontrei o centro histórico, o rio e a ponte medieval de que me lembrava. A cidade tinha estado em festa e ainda tinha os enfeites nas ruas e os carroceis na beira-rio. Descobri o albergue sem muito esforço mas, como só abria às 17h, fiquei no café do lado a planear o Caminho. Fiz umas pesquisas vadias, fiquei com umas ideias, imprimi umas folhas com trajetos, etapas e dicas mas não planeei verdadeiramente.

[‘birou-se para mim e tal e disse-me: o mijão do teu namorado. Caralho, não lhe permito isso! Já não é a primeira vez que ele faz isto!...’ ] Enquanto ouvia a conversa ralhada da moça do café (que acabou de se irritar com um cliente e o presenteou com uma saraivada de asneiras em bom vernáculo) e olhava para o seu namorado (um hippie-xunga com ar de quem não está habituado a trabalhar), ouvia os planos do jovem casal que está de partida para trabalhar em Paris. A mãe da moça, grita da cozinha que lá há muito para ver. A moça está mais preocupada em levar um termo de bom café português porque lhe disseram que o café de lá é muito caro. No meio desta conversa, os poucos clientes do café estão ‘pregados’ na tv, no AXN. A centralidade da televisão nos cafés, uniformiza e evangeliza as pessoas sobre estilos de vida desejáveis e formas de pensar, de vestir e de ter relacionamentos.

Começam a chegar peregrinos. Ao meu lado, na esplanada, sentam-se dois irlandeses, pai e filho que já vêm a caminhar desde o Porto. O pai pergunta-me se sou peregrina, digo-lhe que vou começar amanhã e ele remata que somos todos peregrinos entre a igreja e o cemitério. Ficamos a conversar mais um pouco. Entretanto, liga-me a P. e diz que vai contactar o irmão que mora em Ponte de Lima para me mostrar a cidade. Digo-lhe que estou bem e que não é preciso, mas ela insiste e é a cunhada quem se oferece para vir ter comigo
.
22.30h - Já estou no Albergue mas tinha de vir à sala para escrever sobre esta noite. A S., a cunhada da minha amiga foi muito querida em vir fazer-me companhia e acabei por jantar com ela, com o marido, a filha e uns amigos, numa noite memorável. Das 15h às 17h fiquei à conversa com ela (tem 28 anos, é pouco mais velha do que o meu filho maior) como se nos conhecêssemos de longa data: falámos de memórias, de pensamentos, de projetos e ela partilhou o gosto pela sua terra (as belezas naturais e culturais, as lendas…) e o desgosto pela administração corrupta que envolve explorações de granito e negociatas escuras. Adorei a maturidade e a finura do seu pensamento critico tanto sobre as questões humanas, como de cidadania ou sobre as questões ecológicas e ambientais.

Depois de me inscrever no albergue – fui a primeira a chegar mas a última a dar entrada porque dão prioridade a quem já vem a pé no caminho – voltei a sair e fui ter com a S., o marido e um casal amigo – uma artística plástica e escritora que é filha da terra e regressou depois de correr mundo e o seu companheiro, brasileiro de S. Paulo e ativista social. À boa maneira portuguesa, os amigos dos nossos amigos, nossos amigos são: receberam-me como se fosse família, fomos às compras e jantámos em casa de um dos casais, com uma bela música de Jazz em fundo e uma boa conversa. Um pouco antes das 22h – a hora de entrada no Albergue é até às 10h da noite - fiz uma saída de Cinderela, despedi-me e fui a correr pela vila até ao albergue, acompanhada pela S., pelo marido e pela filhota.

O albergue fica num palacete recuperado, é funcional e está bonito. Apesar de ser enorme, está cheio de peregrinos de todas as idades e nacionalidades. Fico numa grande camarata, no sótão. Está escuro, mas no meio tem um enorme janelão por onde entram as luzes de Ponte de Lima refletidas sobre o rio; e, por onde entram também as musicas dos carroceis que sobraram das festas da terra. Pensava que não conseguia dormir, mas consegui; pelo menos, até acordar a meio da noite com a sensação desagradável de estar a sangrar do nariz. Fui à casa de banho resolver a situação e ainda voltei para descansar mais um bocado.

Às 5h da manhã estava a pé para arrumar tudo com calma e sair pela fresca.

Isabel Passarinho

(continua...)

sábado, 9 de novembro de 2013

Shinegow

Titulo - Shinegow
Autor - Iris Palmeirim de Alfarra
Editora - Chiado
Data de edição - 2011

A primeira obra saída do imaginário da jovem autora Iris Palmeirim de Alfarra é uma história, um conto infanto-juvenil, em que reinam a magia e o fantástico e onde não faltam elementos de aventura, acção e romance. 

De uma leitura leve e bastante acessível, Shinegow convida (ainda que abruptamente) os seus leitores a uma viagem entre dois mundos. Um destes mundos é-nos familiar pela semelhança com o nosso quotidiano, com as alegrias e perturbações que seriam de esperar na atribulada vida de 3 raparigas de 16 anos, as protagonistas desta história. O outro mundo é único pela sua imprevisibilidade inata, pela não aplicação das regras com que moldamos a nossa realidade, um mundo no qual reina a magia, onde se descobrem amigos e inimigos diferentes dos habituais, onde se desenvolvem habilidades inimagináveis, comprovadamente úteis nas menos usuais das situações. 


Direccionado para os jovens mas não desadequado para os menos jovens, o mundo de fantasia de Shinegow junta uma escrita simples e concisa na forma, genuína e cativante no conteúdo, convidando miúdos e graúdos a saírem do conforto dos cenários literários convencionais e a mergulharem no rio de imaginação com que a autora nos presenteia. 

Um bom livro, capaz de criar expectativa e interesse pela continuação da história e por futuras obras da autora. 

Classificação:





Nuno Soares