terça-feira, 30 de junho de 2015

Pó na Fita - Os Verdes Anos (1963)

Quem não conhece a música “VerdesAnos” de Carlos Paredes? Conhecem o filme para o qual a música foi feita?

Regressem a Lisboa há 50 anos atrás com Júlio, Ilda e outras figuras tão tipicamente portuguesas. Vão fazer uma autêntica tour pela pujante arquitetura dos anos 40, 50 e 60 de uma cidade em crescimento, contrastante com a esvanecente ruralidade pobre às portas da urbe. Este conflito de eras e estilos de vida ganha forma na mente de Júlio, um rapaz da província que tenta ganhar a vida em Lisboa. Um permanente inadaptado, que primeiro se maravilha e depois se sente acossado por uma sociedade que não compreende. Ilda é o seu único porto seguro, a sua esperança de integração e de uma vida melhor…

Um filme de Paulo Rocha marcado por belos planos e enquadramentos, aproveitando ao máximo a cenografia de Lisboa. A música omnipresente das guitarras de Carlos Paredes e Fernando Alvim é tónica acústica e campestre em oposição ao modernismo citadino das imagens e aos momentos silenciosos das personagens. Os dois atores principais embrenham-se nesta constante justaposição campo-cidade. Rui Gomes sorumbático, plácido e naif; Ruth Gomes faladora, vibrante e cheia de alegria jovial.

“Os Verdes Anos” são uma fotografia do fim da adolescência, do peso das responsabilidades, da realidade que não se compadece dos sonhos e das origens da cada um.

P.S. Podem acompanhar com “Douro -Faina Fluvial” uma curta de Manoel de Oliveira, que nos mostra o Porto nos anos 30.


Rafael Nascimento

sábado, 27 de junho de 2015

Concurso – Razão Óbvia (volume 1) – A descoberta do génio

O livro lançado por Rui Malaquias Lopes em Março de 2015, pelas mãos da Ulmeiro editora é o prémio de um concurso a decorrer na página de facebook da obra em questão.

O livro, de ficção, é o primeiro volume de uma anunciada trilogia que dará continuidade a uma narrativa descrita como “feroz crítica social, transversal nos seus domínios, desnudando as hipocrisias das diferentes classes e ideologias”.



As condições de inscrição são bastante simples e, a quem interessar, toca a despachar que o concurso acaba já amanhã!

Boa sorte e boas leituras,

Opina


quinta-feira, 25 de junho de 2015

Nas Asas da Poesia - Conversa com a Solidão

Encontrei a solidão
Perguntei-lhe o que queria
Respondeu-me: “Nada, não
Para além de companhia.”

Disse-lhe então: “Solidão
Mas se tiveres companhia
Solidão não serás não
Pois terás mais alegria.”

Minhas palavras escutou
Olhou-me sem responder
Mas depois tudo explicou
Pra que eu pudesse entender.

“Não podes ser linear
Ao falar da solidão
Podes rodeado estar
E tê-la em teu coração.”

“Por outro lado, também
É possível que aconteça
Qu’estando tu sem mais ninguém
A solidão não apareça.”

“Estares ou não acompanhado
Não define a solidão
Sou um sentimento alado
Que voa em qualquer direcção.”

“Sei que chego a toda a gente
Sem distinção eu fazer
E é certinho que mente
Quem diz não me conhecer.”



Marco Gago

segunda-feira, 22 de junho de 2015

The Codfish Band - Devil's Tongue

A nova banda da cena Rock nacional, os “The Codfish Band”, fazem-se aos palcos para apresentar o seu primeiro álbum “Devil’s Tongue” com um concerto de estreia na FNAC de Alfragide, já no dia 25 de Junho (5ª feira), às 21h, e outro, no dia 27 de Junho (Sábado), às 23h15m, no “Starway Club” em Cascais.


A banda é composta pelo quarteto Luigi Afonso (voz e guitarra), Miguel Ros Rio (guitarra), Nuno Escabelado (baixo) e Pedro Kystos (percurssão), e estes rapazes já têm o videoclip do singleHit the road” disponível no Youtube.


É ainda de dizer, que o álbum “Devil’s Tongue” está disponível na FNAC, a partir de hoje. Podem seguir a banda, os seus concertos, e novos lançamentos pelo Facebook do grupo.



Uma banda a acompanhar!

Nuno Soares

terça-feira, 16 de junho de 2015

Nas Asas da Poesia - Estou doente

Estou contaminado por cactos
Que me picam as raízes na terra
Contaminado por surreais factos
Em caminhos cansados da serra

Estou contaminado por aves
Pelo caracol de cornos ao sol
De músicas feitas em caves
Da cor amarela do ovo mole

Contaminado pelas japoneiras
De joaninhas que floram do chão
Pela luz das amendoeiras
Calor felpudo de um minhocão

Que sente no dedo as abelhas
Que voam na asa da codorniz
Pela raiz do chão crescem azelhas
Em saudades de osga petiz


Paulo D. de Sousa

quinta-feira, 11 de junho de 2015

De Mim para Mim - Carolina Tendon

Título – De Mim para Mim
Autor – Carolina Tendon
Editor – João Pina
Data de edição – Setembro de 2014
Data da publicação original – Junho de 2014

Hoje trago-vos um livro que não é como os outros e, não o é, porque para além de ser, como diz a autora, um livro de mensagens ao invés de um livro com mensagem, é também um livro com uma história muito particular.

Fig. 1: Capa do "De Mim para Mim" de Carolina Tendon

Carolina é uma jovem entusiasta pela vida, cheia de energia, alegria, ambições e projectos. Estudou veterinária em Évora, dançou até não poder mais, escreveu desde cedo o que lhe ia na alma, e com a tinta da imaginação coloriu um mundo que aos poucos foi montando em seu redor, um mundo alegre e vivaço, à sua medida, não sem sacrifício, mas que com esforço e aprendizagem a levou pelos caminhos que percorreu, que há que dizer, não foram poucos.

Carolina faleceu em Fevereiro de 2014, tinha 22 anos, e o resto… bem o resto (um bocadinho) está no parágrafo que acabaram de ler. Carolina partiu sem aviso, partiu porque sim, mas o pequeno mundo que foi construindo com a sua imaginação e expandindo com as suas vivências, conquistas, desilusões, alegrias e tropeções não a acompanhou na sua viagem, pelo menos não todo, criando, talvez, uma ponte etérea e eterna entre aquilo que deixou feito e aquilo que inspirou e inspirará a fazer.

Após a morte de Carolina, o seu namorado Pedro Pinto, e a família da Carolina juntaram força, inspiração, coragem, uma determinação sem limites e um amor a toda a prova, para reunirem os escritos da Carolina e publicarem o “De Mim para Mim”, um livro póstumo em que dão a conhecer mais do que o que ela escreveu, a própria Carolina.

Esta obra, de 144 páginas, junta poemas, pequenos textos e pensamentos, que a Carolina escreveu ao longo da sua vida, desde os seus 10 anos e que, sem dúvida, surpreendem pelo domínio do verso e pela clareza de pensamento em jovem de tão tenra idade. Tudo isto é acompanhado por fotografias e imagens, nem todas tiradas pela Carolina, mas relacionadas consigo ou com o conteúdo dos seus textos, como que um complemento tanto da obra como da autora. “De Mim para Mim” contém ainda, as mensagens póstumas dos seus familiares, do namorado e de uma amiga-irmã, e que elevam este livro a uma verdadeira, imponente, emocionalmente gigante mas não derradeira, homenagem à vida e ao espírito muito particular de Carolina, aos seus sonhos e ideais.

Fig. 2: Mapa das apresentações do "De Mim para Mim"

Desde o lançamento, no 23º aniversário de Carolina, a 21 de Junho de 2014, o “De Mim para Mim”, já correu o país de Norte a Sul, pelas mãos do namorado Pedro, que incessante e incansavelmente, continua a edificar e a levar ao mundo, o mundo que, ele como ninguém partilhou, idealizou e começou a construir com Carolina Tendon.  

Um livro a adquirir, uma história a conhecer, uma pessoa a não esquecer!


Nuno Soares

terça-feira, 9 de junho de 2015

Crónica Social - O Xico da Tina

O Xico faz hoje anos - 84 anos de uma vida dura de trabalho. Está casado há muitos anos. Nem sabe ao certo. Vive numa aldeia com a Tina, com alguma família e vizinhos por perto mas já com muitas baixas na sua geração. Não têm filhos. Com uma certa mágoa.

- Ninguém tem obrigação de nos ajudar! Diz a Tina. Cada um tem a sua vida e nós aqui estamos até que Deus queira.

O Xico é muito poupado nas palavras.

- Estamos cá de empréstimo, diz em nota filosófica.

Não vivem mal. Têm casas, terras, amealharam, não se renderam ao consumo, não gastam muito e ainda amanham uns bocadinhos de terra perto de casa de onde vão buscar cereais, os legumes, os frescos e algum sentimento de ocupação e utilidade.

Um pouco por todo o nosso pequeno país, sobretudo nos meios mais rurais, é frequente as pessoas serem designadas por uma relação especial. É uma espécie de identidade relacional em que a definição de um se faz a partir de uma relação geradora com outro. Mas o Xico e a Tina estão velhos e pesa-lhes a vida. E a solidão. A velhice é uma chatice!

Por mais que se fale em envelhecimento ativo e que a publicidade utilize cada vez mais senhores e senhoras de cabelos brancos, sorriso jovial e aparentemente sem problemas, desconfio que seja uma fase da vida menos simpática.

Bom, na verdade cada fase da vida tem os seus desafios e provavelmente aquela que estamos a viver é sentida como a mais dura.

Já tenho algumas amigas que contraíram velhice e que se queixam. As perdas (de dentes, de audição, de cabelo, de elasticidade, de frescura, de paciência…) parecem superar os ganhos - de peso, de gravidade, de sabedoria, de dores…

- Já viste a pele das minhas mãos? – Perguntava-me uma delas, à beira dos 60 e visivelmente alarmada.

E a memória? Ou as suas falhas. E o sentimento de aproximação ao fim de linha? E a dificuldade em voltar a acreditar, a ter sonhos, a desejar qualquer coisa ou alguém? E o pânico de ficar dependente, de não ser autónoma? E a perda de relações significativas?

Mas afinal quando é que estamos velhos ou velhas?
Recuso o limiar instituído dos 65 anos. Até porque já não corresponde à idade da reforma, que era o marco da improdutividade a partir do qual já podíamos ser velhos.

Conheço velhos de 20, de 30 anos, de 50, de 70 e de 80 e muitos. São todos diferentes, é verdade. Mas também não caio na esparrela de dizer que a velhice é um estado de espírito. Conheço velhos cheios de medo de morrer. Tristes. Desconfiados. Avarentos. Sós. Amargurados. E outros que não. Algumas pessoas parecem não ter idade.

Ou melhor, poderiam ter qualquer idade porque esse é um dado que não importa muito. Pessoas que não desistem. Que riem e choram. Que tem dias bons e outros nem por isso mas que não se deitam sem agradecer, seja à vida ou a qualquer outro ser ou entidade. Pessoas que continuam a aprender, a desafiar-se, a querer estar melhor consigo e com os outros. Que têm amigos de todas as gerações. Que vão ao baile ou ao museu. Que arriscam compreender outras perspetivas.

O Xico teve recentemente um pequeno AVC que o deixou estranho. Fala ainda menos, já não vai à horta, dá uma volta à casa e senta-se, cansado. O seu território ficou mais estreito e mais doméstico. A televisão ficou mais longe. Olha para ela sem ver, sem ouvir, sem interesse.

A Tina, que é uma mulher de saúde frágil, desmultiplica-se em cuidados e desvelos para ver o seu homem novamente ativo e cheio de afazeres. Teme por ele e por si. Está triste. Sente a vida como um calvário a cumprir, como um problema sem solução. E zanga-se quando lhe apontam algumas possibilidades.

Na sua forma de entender a vida, os cuidados profissionais e as respostas institucionais não são opção. Não para si nem para o seu marido.

O Xico sente a vida gasta e as palavras também. Gostava de ver mais crianças na aldeia. Isso e os campos todos tratados e cheios de árvores de fruto como quando eram novos…

Isabel Passarinho

sábado, 6 de junho de 2015

Festival Eurovisão da Canção: representação cultural do país ou desperdício de dinheiros públicos?

Mais um ano passado, mais um fracasso da representação Portuguesa no Festival Eurovisão da Canção, certame único a nível europeu que junta anualmente, há 60 anos, talentos musicais dos quatro cantos da europa.

Aproveitando a deixa da apresentadora Joana Teles, que disse, e muito bem, que este festival, quando apareceu, fazia parar o país, urge aos organizadores, promotores e financiadores (vulgo, povo português) da participação nacional no festival da canção, perceber o porquê de tal sucesso e interesse se ter esbatido ao longo das décadas em Portugal. Esse processo de entendimento seria sem dúvida, um bom começo para que se possa mudar, melhorar e corrigir, o modelo medíocre e ineficaz que vem sendo usado de há uns anos a esta parte.

Mas cada coisa a seu tempo. Comecemos por onde se deve, o princípio; o Festival RTP da Canção, que escolhe, através de júri (os compositores das músicas a concurso) e do voto popular, o representante nacional no Festival Eurovisão da Canção.


Fig. 1: A vencedora do Festival RTP da Canção 2015 - Leonor Andrade

E porque nem tudo é desgraça, começo por salientar um ponto positivo na edição de 2015 do Festival RTP da Canção, a inclusão de banda em palco que dá, para além de credibilidade (e bem que ela é precisa), o ar de que realmente se trata de um festival de música na televisão, ao invés de uma montra de jingles publicitários.

Parabéns pela iniciativa e pela coragem de querer melhorar e tornar o festival mais autêntico.

Infelizmente, outras apostas não correram tão bem.

O conceito de dar espaço a novas e velhas glórias do festival na abertura do mesmo, permitindo que estas apresentem os anfitriões da gala, está interessante e podia acrescentar valor ao programa, se dois pressupostos simples fossem cumpridos: o primeiro, é que se tratam de glórias do festival (Suzy?) e o segundo, é que conseguem articular palavras e fazer frases com nexo (Suzy?). Felizmente, na 2ª semi-final, o par composto por Lúcia Moniz e Eládio Clímaco fez muito melhor figura, em ambos os capítulos, do que a parelha Suzy – António Calvário, que abriu a 1ª semi-final.

Em termos musicais, o Festival RTP da Canção, apresentou-nos 12 músicas de 12 intérpretes nacionais, nas quais quero destacar pela positiva um interessante equilíbrio entre a aposta em jovens talentos (a mais nova intérprete, Rita Seidi, tem 17 anos), e nomes conhecidos e muito mais experientes como Adelaide Ferreira e Simone de Oliveira. Pela negativa destaco a falta de diversidade musical, apostando-se, mesmo comparando com outros anos, em receitas gastas e datadas, que já nem o nosso pequeno Portugal entusiasmam, e a falta de vontade, coragem ou saber para desenvolver a fundo os conceitos apresentados, nomeadamente a nível cénico, caindo-se na monotonia e vulgaridade, raramente aproveitando as potencialidades dos temas apresentados. Exceptuando um honroso par de músicas, faltou carácter, força e acima de tudo espectáculo, a músicas que, de resto, até conseguiram, em alguns casos, trazer a palco boas vozes, boas letras e composições interessantes.

“Lisboa, Lisboa” foi a música de Sara Tavares e Kalaf Epalanga a que Rita Seidi deu voz. Com uma ritmicidade muito própria e dando uso às influências africanas, este tema apresentou-se como uma música quente, bem-disposta e fácil de ouvir, o que não fez dela uma grande candidata ao prémio ou uma canção fenomenal por valor próprio. Uma letra longe de ser extraordinária (talvez pela urgência em ser feita, como disse a Sara) e a necessidade de uma voz mais cheia, dinâmica e potente (quiçá a da Sara), que, sem desmérito para a intérprete, Rita Seidi não tem, deitaram por terra as ambições deste grupo de trabalho.

Miguel Gameiro, dos Pólo Norte, compôs uma música interessante, com uma base mais rock, que com uma interpretação algo insegura de Leonor Andrade na semi-final, conseguiu ainda assim chegar à final, onde, com mais confiança na voz, fez por ganhar uma viagem a Viena. Claramente mais confortável nos registos mais baixos da música mas sem destoar nos agudos, mesmo após uma subida de tom, Leonor trouxe à música um ar de, quase Amor Electro, faltando à voz a capacidade de encher o palco com a sua presença e pecando por uma notória falta de investimento em produção cénica, que foi aliás, uma das grandes limitações da maior parte das participações neste festival.

Filipa Baptista foi a eleita por Augusto Madureira para interpretar o seu tema “A noite inteira”, num registo de pista de dança. Filipa teve a falta de sorte ou de gosto (ou as duas), de ir ao Festival RTP da Canção representar Suzy, a vencedora do ano anterior. Tudo na sua interpretação fez lembrar a actuação de Suzy em 2014 (à excepção do peito). Letra medíocre, ritmo e melodias banais e uma… coreografia/interacção com um dançarino, que nos põe a pensar se estes profissionais são devidamente pagos por aquilo que têm que passar. Filipa não tem, de todo, má voz, mas nesta actuação foi só isso que teve a seu favor.

Fig. 2: Filipa Baptista in Suzy 2

Nuno Feist e Nuno Marques da Silva foram compositor e letrista de uma das poucas obras que arrancou aplausos espontâneos entre a audiência do programa. “Outra vez Primavera” contou com uma composição interessantíssima, óptima interpretação musical, e uma fantástica, potente, e bastante expressiva voz de Yola Dinis, tudo acompanhado por uma letra digna de ser chamada poema. Infelizmente, e apesar de se ter apurado na 1ª semi-final, o fado de Yola não conseguiu nem o voto do público, nem o dos compositores (?) e ficou-se pelo 4º lugar na final nacional.

Foi o sobrinho de José Cid que compôs e interpretou “Tu tens uma Mágica” mas podia ter sido o septuagenário cantor, pois Gonçalo Tavares é uma cópia a papel químico de Cid (que colaborou na fantástica letra), sem a franja e com 30 anos a menos. Mas as diferenças acabam aí. Uma frase repetida durante 3 minutos, 4 acordes no piano com uma ritmicidade e melodia que nos levam 30 anos para trás (o que não é necessariamente bom), e os tiques de cabeça, fizeram-me sentir num lagar. Curiosamente, esta obra conseguiu o voto do júri, quer na semi-final, quer na final, o que, de todo, não abona a favor dos compositores.

Adelaide Ferreira foi Adelaide Ferreira. A sua presença trouxe, tal como a de Simone de Oliveira, uma maturidade diferente ao festival. No entanto, ao contrário de Simone, que chegou à final, a música que Adelaide trouxe consigo, não conquistou os Portugueses. “Paz” tinha uma mensagem mas faltou-lhe a força e a elaboração para a fazer chegar ao público. Nem a postura e voz expressiva, nem a habilidade teatral da cantora compensaram uma música regular, que não encaixou particularmente bem no conceito do festival e que não puxou pela voz de Adelaide como outros temas que interpreta.

E assim se fecha a 1ª semi-final.

Fig. 3 - Yola Dinis, uma grande cantora

A 2ª trouxe-nos uma melhor apresentação, mais natural e fluída, com a dupla Sílvia Alberto – José Malato, e alguns temas interessantes.

Começando por “Quando a lua volta a passar” de Sebastião Antunes. Tenho que confessar que Sebastião tem uma sonoridade que me apraz, gosto da influência country presente nos seus trabalhos, e da maneira particular de cantar histórias através da música. No entanto, desta feita, Sebastião não foi feliz na escolha da intérprete. Rubi Machado não soube ou não conseguiu soltar-se e dar a leveza, alegria e agilidade que a música exigia, tendo resultado num estranho contraste entre uma composição viva e dinâmica interpretada por uma cantora pesada e mortiça na sua voz.

Churky usou a potente voz de José Freitas para dar vida a um blues ao estilo de Elvis Presley que, sendo diferente do habitual no programa, mostrou bom serviço e mais que mereceu o lugar na final nacional. A lamentar fica a produção cénica que, neste programa, parece consistir exclusivamente em gente a dançar em fundo. Não acrescenta nada a esta música, não encaixa no estilo musical e é foleiro que dá dó, inovem.

Teresa Radamento interpretou “Um fado em Viena” de Fernando Abrantes e Jorge Mangorrinha, um fado-valsa de composição simples e melodia alegre. A voz acompanhou de maneira razoável, tímida a princípio, mas crescendo em confiança ao longo da música. Apesar da música se ouvir bem, Teresa Radamanto, não é uma voz genial, e as suas limitações são evidentes na canção. Cenicamente pobre.

Simone de Oliveira apresentou um belo poema de Tiago Torres da Silva, com uma composição à altura por Renato Júnior. Simone fez valer a sua experiência, segurança inabalável e grande carisma. A apontar fica a opinião de que, o que a música tem em harmonia não tem em força para acompanhar a grande expressividade de Simone. Uma música, não obstante, interessantíssima, com todo o potencial para vingar fora do festival.

Fig. 4 - Cheia de garra e expressividade, Simone de Oliveira

Héber Marques compôs e Filipe Gonçalves cantou “Dança Joana”, um tema num registo pop, bem ao jeito do festival da canção. De longe, o mais expressivo dos intérpretes (exceptuando talvez Simone, mas num registo completamente diferente), com muito à vontade, interactividade e presença em palco. Apesar do cheiro a verão, uma letra pouco inspirada pode ter pesado contra “Dança Joana”, que não passou da semi-final.

O tema “Maldito tempo” de Carlos Massa foi desqualificado por não cumprir os regulamentos do concurso pois, apesar de original, não era inédito, o que, estando para além de argumentação (o regulamento factualmente foi incumprido), é uma pena, pois a voz de Diana Piedade é um portento, a interpretação foi fluída e enérgica e o duo cénico com um dos músicos, deu uma dinâmica a este nível que faltou às restantes apresentações.

De toda esta mescla saiu como vencedora Leonor Andrade com “Um mar que nos separa”. Não foi a melhor composição, letra, voz ou actuação do festival, mas, foi a representante escolhida. Na actuação em Viena, Leonor Andrade até nem se portou mal, cantando com confiança e esforçando-se para interagir com o público mas sem ter o carisma de uma Lúcia Moniz e com uma péssima escolha de indumentária e postura que, vá-se lá saber porquê, parecia sugerir uma improvável e pouco conseguida mistura entre rock e fado. A música interessante e a voz que não envergonha esbarraram no vazio cénico que engoliu Leonor, e resultou numa prestação muito abaixo de alguns dos seus concorrentes e na consequente eliminação na semi-final do Festival Eurovisão da Canção.

Fig. 5 - Conchita Wurst, cantor Austríaco, vencedor do Festival Eurovisão da Canção em 2014

Nas últimas 10 participações (de 2004 em diante pois tivemos um interregno em 2013), Portugal chegou à final apenas em 3 (2008, 2009 e 2010), e vai sendo tempo de a RTP repensar o modelo de recrutamento (e quiçá até o de seleção) que aplica. Abrir as portas a mais compositores, através de concurso e pré-seleção, poderia trazer mais e melhores temas, géneros musicais e intérpretes, em contraponto como o actual sistema de convite de compositores, sabe-se lá sujeito a que critérios (ou falta deles). Este seria, a meu ver, um ponto de partida, não só para renovar o interesse dos Portugueses, que passariam a associar mérito e qualidade a uma presença no festival, como para melhorar as miseráveis classificações frequentemente obtidas pelos nossos representantes.

Num certame internacional em que se investe dinheiro público, quer-se o melhor que se faz musicalmente em Portugal, um país recheado de excelentes compositores, músicos e intérpretes, algo que não é possível com este modelo de portas fechadas.

Se o Festival RTP da Canção é um programa de entretenimento, o que se exige da televisão pública, é que garanta entretenimento de qualidade e, assim, certamente, os Portugueses responderão em conformidade, com o seu apoio e entusiasmo que, de resto, é bem visível noutros países europeus que continuam a investir forte na sua representação no Festival Eurovisão da Canção, com ganhos não só culturais, mas também económicos.

Até lá, estamos condenados a deitar dinheiro ao desbarato e a vermos a nossa representação musical, ficar à sombra de grandes colossos da música europeia, como o Chipre, o Azerbaijão, Montenegro ou a Arménia.

Urge a mudança.

Nuno Soares



terça-feira, 2 de junho de 2015

Nas Asas da Poesia - Algo irá acontecer

Algo irá acontecer
No rastejar livre das minhas raízes sólidas
Do ar, um cócó de pássaro cai no ombro da minha folha
Esborrata-se todo no ramo e desce caminhos de voo

Algo terá que acontecer, algo irá acontecer
O galo que canta sempre cedo demais ou demasiado tarde
Sem metas e sem desafios, um galo livre de cantos
Nas veias do relvado ensopado de água

Algo irá escorrer da lava de um vulcão
Que desce com o falcão até encontrar o chão
Onde germina e cresce os seus ramos do alcatrão
Até o infinito e mais além

Algo irá voar no rio e no espaço
Bater nos galhos para os frutos comer
Frutos tais que nos fazem crescer
Na terra que emana calor fervente

Que quero eu mais do que poesia?
Quero senti-la pelos olhos dos que me vêem
Quero ser a lesma e a centopeia no chão
Na alface, na semente, numa situação

As casas enforcadas nos meus braços de sobreiro
Que sobram das sobras de algo que irá acontecer
E se o vento me partir, crescerá de novo outro ramo
A minha raiz torna-se mais forte e bebe ainda mais água

Algo irá dar a bicicleta ao outro
Vai sair por baixo sem se notar
Vai crescer flor, erva, fungo, ou arbusto
Algo irá realmente acordar

Vou crescendo a minha floresta até ao astro
E os cheiros do eucalipto que arde dia sim, dia sim
Num rodopio de borboletas ou de melgas
Um ciclo de cores que se cheira ao ouvir-se atentamente

Algo irá acontecer mesmo que espere desesperadamente
Vai sair pela toca de incêndios e subir as lianas dos meus braços
Vai de encontro ao cabelo dos meus galhos
Onde rios de pólenes se espalham para me poder proliferar

Algo irá acontecer de um cantar de um plátano
Algo com bico e penas irá acontecer
Algo com terra e areia terá que acontecer
Algo que me terá que satisfazer

Como as bolhas de água de um jacuzzi natural
Que sai de uma pocinha de água com cal
Onde os grilos da madrugada cantam voos de pássaro
E onde os voos de pássaro cantam cigarras sóbrias

Nesses voos vêem-se todas as cores da terra
Deles, nascem os frutos e as espadas de São Jorge
É desses voos que se purifica o ar das vivências
Quando não interessa se está chuva de sol, ou sol de chuva

Algo irá acontecer ao caracol com os olhos ao sol
A rola a grilar e o grilo a arrulhar, nas pedras de uma rocha maior
Que se foi desfazendo ao longo do rio formado pelos meus troncos
Sem destino e sem sentido, num córrego ainda por rastejar

Algo irá acontecer quando do cuco crescer morangos
O sabor irá ser de lama que já voou por outros ramos
Ramos que se vieram a entrelaçar numa rede de pintassilgos
Com gotas de água a brilhar em zig-zags de ninhos

Algo irá acontecer, mesmo que seja
Ter o galo de ir a Barcelos ver o galo de Barcelos,
Num fim de tarde de Domingo, feriado nacional.
Onde o sol desceu para o chão e do chão se fez luz

Algo irá pedir, pedir a esmola, pedir um favor, pedir a fatura, pedir por favor
As ruas desertas demoram a ficar com ervas nas gretas
Em valas correm relvas e musgos
Das lavas irá crescer vegetação.

Algo irá cantar, cantar muito, cantar de galo,
Cantar de pássaro, cantar acapella, cantar a São Lázaro
Em paredes de carvalhos que correm na água e nadam na terra
Terra que voa até à copa do rastejar dos colibris

Algo irá flutuar por onde as cobras rastejam
Nos túneis luminosos da escuridão
Num cantar de ramos onde não me vejam
Num mar de túlipas de grande dimensão

Algo irá rezar à mãe natureza para ter mais anos de vida, ou uma vida sem prazos.
Em ramadas de orvalho
Que vêem em meus poros

Algo que terá que ficar por aqui

Paulo D. de Sousa