sábado, 20 de fevereiro de 2016

Guerra das Estrelas: O Despertar da Força - Entre o céu e a terra

Após a gigantesca campanha de marketing promocional montada pela Disney ter colocado as espectativas sobre o filme na estratosfera, o episódio VII da série Star Wars fez a sua aparição a 14 de Dezembro. Desde então, tem-se tornado num fenómeno de gerar receitas, quer através das bilheteiras, quer através do quase infinito leque de produtos Star Wars que invadiram o mercado.

A receita da Disney de tornar uma saga de culto num produto altamente comercializável, facilmente consumível por todo o tipo de público parece ter resultado bem, com o “O Despertar da Força” a gerar 1 bilião de dólares de receita em bilheteira em apenas 12 dias e a ser já, ao fim de 2 meses de exibição, o 3º filme mais rentável de sempre.

Mas focando no filme, o “Despertar da Força” não é, a meu ver, nem esse poço infindável de virtudes que a Disney promove ou tão pouco o melhor Star Wars de sempre (nem perto), como alguma crítica mais entusiasta afirma, nem uma desgraça para a série ou um insulto à criação de George Lucas como alguns fãs mais ferrenhos defendem.



Acima de tudo, este episódio VII é um filme que entretém, que mistura acção, aventura e humor em quantidades generosas, que conta com uma boa combinação entre efeitos gráficos e banda sonora de qualidade e que, independentemente do veredicto prende o espectador do princípio ao fim. E esse parece-me, é o maior feito de J.J. Abrams nesta produção.

Outros aspectos não lhe correram tão bem.

Três décadas são o salto temporal (quer o real quer o da narrativa) que nos separa das aventuras de Luke Skywalker pelos caminhos da força, da família, do amor, da aventura, do sacrifício e da guerra numa galáxia muito, muito distante, e são estes trinta anos que nos permitem reencontrar os então jovens heróis Luke, Han Solo e Leia Organa, mais maduros a fazer uma passagem de testemunho quer a uma nova geração de heróis, no filme, quer a uma nova geração de espectadores nas salas de cinema.

Ser fiel ao espírito da trilogia original era um dos propósitos de J.J. Abrams, sobejamente anunciado pela Disney, para este filme. Criar um filme que fosse capaz de agradar de igual modo a velhos e novos fãs, a pais e a filhos que cresceram com as diferentes trilogias, que entusiasmasse quarentões e adolescentes.

Há a dizer que conto como um aspecto positivo, o facto de este filme conter quer actores da trilogia original, quer por se ter mantido, tal como a primeira trilogia e ao contrário da segunda, um filme de aventura, de exploração espacial, uma história contada em imagens em que há personagens, umas mais cruciais que outras, mas acima de tudo uma história com personagens e não uma história de um personagem, quase em jeito biográfico, como acontecera com os episódios I, II e III. Nesse aspecto, penso que houve uma relação positiva, de continuidade com o espírito, ambiência e propósito da trilogia original. A batalha travada por um esquadrão de X-Wings na superfície do planeta Takodana, contra as forças da primeira ordem, alia essa preciosa diversão e rebeldia de espírito, à incerteza de desfecho que Star Wars nos habituou, dando espaço ao valor individual dos personagens para fazer a diferença e pelo seu brilhantismo, imortalizá-los.

Por outro lado, a excessiva colagem ao enredo da trilogia original, nomeadamente ao que à Death Star e ao local e condições em que Rey (a nova protagonista) é encontrada, levou a que este filme fosse considerado um reboot do original, não sem razão, por um número considerável de críticos. Acima de tudo, parece-me que esta reprodução parcial da história do primeiro filme, é um desperdício do fantástico e gigantesco universo criado por Lucas, com tanto por explorar, quer a nível de planetas, espécies, facções e possíveis intrigas a desenvolver. Este será, sem dúvida, um dos maiores, senão o maior ponto negativo deste filme. Para quem esperava uma nova história, uma verdadeira continuação do episódio VI, o sabor é agridoce, ela existe, mas só em parte, metade talvez, com um pouco de boa fé, a outra metade é o episódio IV outra vez, mas com efeitos visuais do século XXI.



Em boa verdade, sendo este filme uma obra apreciável quer do ponto de vista de produção, quer do ponto de vista do entretenimento não deixa de passar a sensação, quando analisado a frio, que é um trabalho inacabado, incompleto, imperfeito. E não o é por ser o primeiro capítulo de uma anunciada trilogia mas sim pelo conflito entre a espectativa criada e pela realidade do filme, pela pré-existência de uma história, personagens e filmes que se quer homenagear e imortalizar e pela necessidade de criar algo novo, pela necessidade de conservar o espírito original e de inovar ao mesmo tempo, algo que em alguns momentos foi feito com sucesso, noutros nem tanto, estando esta dicotomia espelhada em todos os aspectos do filme, do enredo aos personagens, a ver:

Kylo Ren o proto vilão desta saga, um padawan que se voltou contra o seu mestre e tio, Luke e abraçou o lado negro da força, com o propósito de seguir o caminho do avô e tornar-se um Sith lord (ele há famílias complicadas), tem tanto de potencial como de inconsistente. Se por um lado J.J. Abrams nos dá a hipótese de conhecer e seguir um wanna be Sith numa fase do seu percurso nunca antes revelada, com todas as incertezas do lado negro aliadas a uma personalidade já de si instável, o que pode parecer uma oportunidade entusiasmante e enriquecedora para um fã de Star Wars, determinadas incongruências, tais como um domínio fantástico da força revelado por Kylo Ren ao parar um disparo de uma arma lazer em pleno voo, mas mostrando tremenda dificuldade para derrotar, num duelo de sabres luz, um ex-stormtrooper sem qualquer tipo de treino na arma, são de difícil compreensão.

Semelhantes cenas, algumas das quais desbloqueadoras de enredo carecem de uma relação de causalidade e consequência que levantam dúvidas legítimas e minam a credibilidade do filme, por acusar falhas, por vezes consideradas grosseiras, no desenvolvimento da narrativa. Entre elas temos o domínio, sem treino ou referência, de diversas aplicações da força por parte de Rey, ou a deserção de Finn, um stormstrooper que, só porque sim, decide achar que a reforma antecipada é uma boa oportunidade para pendurar o capacete que, de qualquer dos jeitos, tem que andar sempre a lavar depois das missões, e isso não tem jeito.

A descoberta e destruição da Starkiller Base (Death Star xxl) e a morte excessivamente previsível e teatral de Han Solo às mãos do filho, são momentos, também eles pouco brilhantes e criativos, assim como o é a First Order em si (tanto quanto se sabe um Gallatic Empire com um nome diferente mas igual em tudo o resto, 30 anos depois).

Ainda que a continuação prometa, mais não seja pelo maior envolvimento de Luke e Snoke (o líder supremo da First Order), que se adivinha para o episódio VIII, o desenvolvimento de Rey como Jedi e quiçá de Kylo Ren como Sith, o “O Despertar da Força” não deixa de ser um filme ambivalente. É um bom filme de aventura, com acção e humor que cheguem para divertir (não vou falar de drama porque a morte de Han Solo foi deveras fraquita) e em alguns momentos, devido a fantásticos efeitos visuais e sonoros, até impressionar, mas é um Star Wars muito medianozinho pois as inconsistências do enredo, assim como o facto de metade do filme ser copiado de um dos episódios anteriores pesam sobremaneira numa balança que tenta equilibrar com uma nova geração de heróis e vilões (não sem mérito), e a promessa de novos desenvolvimentos para o futuro.

Vale a pena ver, para conhecer os novos personagens ou para rever o início da saga com batalhas espaciais do caneco, mas não esperem uma obra-prima porque este filme não é.



Classificação:






Nuno Soares


P.S: Se tiverem oportunidade vejam num IMAX porque quer as cenas de perseguição no espaço em 3D quer a envolvência da banda sonora, dão verdadeiramente corpo ao conceito de cinema imersivo e valem bem o preço do bilhete.  

3 comentários:

  1. Por um lado acho que a tendência do JJ homenagear a primeira trilogia se nota ao longo do filme, tanto episódio IV, V, VI, temos que estar atentos aos detalhes, portanto acho que no global é um muito bom trabalho porque criar uma nova história por cima de outra e englobar os detalhes que fazem as ligações, tanto para o espectador reparar nessa linha de pensamento, tanto para a produção não parecer forçada, é bastante difícil, no entanto não conseguiram mascarar esta tendência com narrativa nova e torna-se ao longo do tempo a "missão impossível" desta produção. Por outro lado, Kylo Ren, Rey e Finn são potencialmente jedis treinados pelo Luke enquanto crianças. Acho que o JJ arriscou tentando enfatizar essas inconsistências narrativas que falas porque lá está, já se passaram 30 anos e nós não sabemos muito sobre o que se passou, acho que pode vir a ser um tiro que sai pela culatra nos filmes que se seguem. Acho que o JJ quis aqui portanto que os espectadores reparem em inconsistências na força deles, isto porque o Luke nunca treinou ninguém e foi treinado muito tarde por Obi, Yoda e noutra perspectiva pelo seu próprio pai e não se sabe se a Leia treinou os miúdos também. Estar a afirmar que o Kylo é um Sith wannabe é estar apostar alto, pelo que percebi no geral Kylo é bastante fraco e o Finn e a Rey são bastante fortes, independentemente se Kylo pára o laser ou não, isso tem tudo a ver com as emoções do momento do personagem. Não sei se o Kylo quer ser um Sith wannabe e até que ponto o Snoke é um Sith? Eu acho que Kylo vê o Vader como uma lenda e está bastante afastado do contexto que transformou o Anakin em Vader, temporariamente, visto que o Anakin aprende a controlar os dois lados da força e daí ser o primeiro Jedi a fazer isso, até que ponto não será o caminho certo, nem Yoda sabe, Yoda não sabe porque tem medo do lado negro, ele próprio segue caminhos incorrectos para um Jedi como ser general de um exército de clones, como usar a ordem Jedi sem olhar aos meios, etc, etc, etc... O que quero dizer com isto é que todo o conteúdo narrativo original ainda pode ser explorado porque estamos a falar de mais 4 novos filmes. Aabraços

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  2. Oi, tudo bom?
    Bem esta análise vem com 2 meses de atraso xD mas completamente pertinente. Não me vou alongar no bom e do mau do filme, porque isso já o fizeste bem, vou só deixar algumas notas. O fraco aproveitamento de personagens secundárias, como a Phasma, o Snoke e até mesmo o Poe (deus ex machina); como é que é possivel que após 30 anos desde o derrube do Império, exista capital para construir uma death star do tamanho de um planeta?? ; o que andou a República a fazer até aquele ponto; e finalmente, a pontaria dos stormtroopers (acho que se quisessem suicidar com um tiro, falhavam!). Parece que não mas são detalhes que eram perfeitamente corrigíveis durante as filmagens e que em termos de longevidade do filme não iria encarecer muito, para ai 5min. Resultando num filme mais completo.
    Ah, relativamente às prequelas, com tudo de mau que possam ter, e têm! há algo que não se pode criticar a Lucas, que é o querer mostrar algo de novo e fazer de diferente. Isto é, espécies, planetas, armamento, veículos, etc... E também aquele momento wow, que para mim o Ep. 1 na batalha final com o duel of fates, os clones no Ep.2 , por exemplo. Algo que faltou claramente neste filme.


    Abraço

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    Respostas
    1. Viva Filipe! Obrigado pela opinião! =D

      Concordo com o que dizes. Um dos factores que mais contribuiu para a tal sensação agridoce, foi precisamente a opção pela repetição de parte do episódio IV em vez de se desenvolver uma nova história explorando o que este universo oferece. Agora é esperar que isso melhore nos que aí vêm. ;)

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