Lá num vão,
naquele beco da vila
Todos podiam
ouvir o afincado bater
Do velho
sapateiro da pele tisnada,
Coroado de
seu avental de mester.
Seu
testamento passeava na calçada
Velhos
sapatos remendados,
fresca
alpercata, bonita sandália.
As botinas
dos pesados trabalhos.
O final do
dia estava reservado.
Abria uma
caixa por lá escondida
e, aninhadas
no seu colo,
umas
singelas botas aprimorava.
Escolhera a
melhor borracha
Para uma
sólida e longa fundação.
O couro de
qualidade curtira,
macio, mas
resistente à abrasão.
Afinara a
alma com terno diapasão.
Forrara o
interior de carícias.
O
contraforte, como sua mão,
ampararia
das pedras nas estradas.
Cosera ponto
a ponto com esmero,
cantando uns
versos antiquados,
como
despreocupado encantamento
para nunca
serem esgaçados.
Martelou a capa com as pancadas
da experiente disciplina paterna.
Cravou raras ilhoses argentinas,
poupadas ao longo de sua vida.
Passou por fim os cordões,
estreitando mais ainda os laços.
Rematou, engraxando adulações.
às “conquistadoras de caminhos”.
P’la tardinha veio a
sua neta.
Ofereceu-lhas num
sorriso tácito.
Ela pagou com beijo na
bochecha
Rafael Nascimento
P.S: Neste mês em que celebramos o 3º aniversário do Opina, desafiámos os autores das nossas rubricas a sortear aleatoriamente a rubrica que escreveriam em Março em jeito de graça e desafio. Assim, ao Rafael, autor da nossa rubrica de cinema Pó na Fita, calhou o Nas Asas da Poesia. Esperamos que gostem!
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