“Silêncio”
de Martin Scorsese é um filme que faz pensar.
Feita
a ressalva, a quem procura um filme de consumo rápido, sem grande sumo ou
mensagem, onde o trabalho cénico se sobrepõe a tudo o resto de que é feito uma
longa metragem, não se recomenda o “Silêncio”.
Este
filme do afamado realizador Nova Iorquino tem tudo o que um bom blockbuster não
tem: 161 minutos (2h 41m), ritmo lento e pesaroso, separação pouco óbvia entre
personagens “bons” e “maus”, grande presença religiosa, diálogos longos, planos
de câmara estáticos, um tema controverso e provocador, miséria, dor e…
silêncio.
Raras
(ou não tão frequentes como deveriam) são as vezes em que o título de uma obra
traduz tão bem o tema, a ambiência e o propósito de um filme.
“Silêncio”
é uma adaptação baseada no romance do escritor Japonês Shüsako Endö, que
retrata a viagem de dois padres jesuítas Portugueses do século XVII, Sebastião
Rodrigues e Francisco Garupe (Andrew Garfield e Adam Driver), ao Japão para
tentar encontrar o seu mentor Cristóvão Ferreira, que se acredita ter
apostatado depois de submetido a tortura pelo regime Tokugawa, e para continuar
o trabalho missionário começado com a chegada dos Portugueses ao Japão em 1543.
Liam Neeson como padre Ferreira |
À
chegada ao Japão os dois jovens padres contactam com a dura realidade que já
conheciam dos relatos escritos de outros missionários, Ferreira entre eles, mas
que não haviam vivenciado ainda. A fé cristã, existindo nas ilhas, era forte e
cruelmente reprimida, perseguida e condenada. Não obstante, os cristãos que
receberam Rodrigues e Garupe fizeram-no de braços abertos, com grande fervor e
abnegação, sedentos dos sacramentos e da doutrina que os padres traziam.
A
dinamização das comunidades cristãs por onde se movimentavam os dois padres e o
fervor dos Japoneses devotos depressa atraíram a atenção das autoridades que
impiedosamente suprimiram a prática, torturando e ceifando as vidas dos que se
recusavam a renunciar à sua fé.
Tal
desenlace leva a que ambos os padres se separem e abandonem as comunidades que
os abrigavam com o intuito de desviarem para si as atenções e continuarem a
perseguir o seu intento de encontrar o padre Ferreira.
Após
captura, tortura e a morte mais ou menos acidental de Garupe, Rodrigues é
apresentado a Ferreira que havia sido mobilizado pelo governador de Nagasaki,
Inoue Masashige (Issey Ogata), o grande inquisidor, para o convencer a
apostatar, o que consegue.
O
último capítulo do filme foca-se na vida que Ferreira e Rodrigues levaram
enquanto padres apóstatas no Japão, os seus motivos, limitações, escolhas e
vivências, terminando a película com a morte (presume-se natural) de Rodrigues.
Adam Driver é o padre Francisco Garupe em "Silêncio" |
O
enredo desenvolve-se em redor de questões morais de interesse, relacionadas com
convicções, limites, escolhas e as consequências das mesmas. Longe de ser um
filme com uma história linear ou simples, “Silêncio” usa o som, ou a ausência
do mesmo, um excelente trabalho de imagem, e interpretações valorosas para
através da exposição, em contexto histórico, da natureza humana e de condições
extremas da mesma, como a fome, o medo, a tortura, a pobreza e a fé, convidar o
espectador a reflectir sobre estes mesmíssimos tópicos.
Um
filme moderadamente pesado, pela componente gráfica, reflexiva e pelo silêncio
que dificilmente agradará a quem não se propuser a fazer a jornada que este
trabalho propõe a quem o vê.
Uma
obra de grande qualidade.
Classificação:
Nuno
Soares
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