Após a gigantesca campanha de
marketing promocional montada pela Disney ter colocado as espectativas sobre o
filme na estratosfera, o episódio VII da série Star Wars fez a sua aparição a
14 de Dezembro. Desde então, tem-se tornado num fenómeno de gerar receitas,
quer através das bilheteiras, quer através do quase infinito leque de produtos
Star Wars que invadiram o mercado.
A receita da Disney de tornar uma
saga de culto num produto altamente comercializável, facilmente consumível por
todo o tipo de público parece ter resultado bem, com o “O Despertar da Força” a
gerar 1 bilião de dólares de receita em bilheteira em apenas 12 dias e a ser
já, ao fim de 2 meses de exibição, o 3º filme mais rentável de sempre.
Mas focando no filme, o
“Despertar da Força” não é, a meu ver, nem esse poço infindável de virtudes que
a Disney promove ou tão pouco o melhor Star Wars de sempre (nem perto), como
alguma crítica mais entusiasta afirma, nem uma desgraça para a série ou um
insulto à criação de George Lucas como alguns fãs mais ferrenhos defendem.
Acima de tudo, este episódio VII
é um filme que entretém, que mistura acção, aventura e humor em quantidades
generosas, que conta com uma boa combinação entre efeitos gráficos e banda
sonora de qualidade e que, independentemente do veredicto prende o espectador
do princípio ao fim. E esse parece-me, é o maior feito de J.J. Abrams nesta
produção.
Outros aspectos não lhe correram
tão bem.
Três décadas são o salto temporal
(quer o real quer o da narrativa) que nos separa das aventuras de Luke
Skywalker pelos caminhos da força, da família, do amor, da aventura, do
sacrifício e da guerra numa galáxia muito, muito distante, e são estes trinta
anos que nos permitem reencontrar os então jovens heróis Luke, Han Solo e Leia
Organa, mais maduros a fazer uma passagem de testemunho quer a uma nova geração
de heróis, no filme, quer a uma nova geração de espectadores nas salas de
cinema.
Ser fiel ao espírito da trilogia
original era um dos propósitos de J.J. Abrams, sobejamente anunciado pela
Disney, para este filme. Criar um filme que fosse capaz de agradar de igual
modo a velhos e novos fãs, a pais e a filhos que cresceram com as diferentes
trilogias, que entusiasmasse quarentões e adolescentes.
Há a dizer que conto como um
aspecto positivo, o facto de este filme conter quer actores da trilogia
original, quer por se ter mantido, tal como a primeira trilogia e ao contrário
da segunda, um filme de aventura, de exploração espacial, uma história contada
em imagens em que há personagens, umas mais cruciais que outras, mas acima de
tudo uma história com personagens e não uma história de um personagem, quase em
jeito biográfico, como acontecera com os episódios I, II e III. Nesse aspecto,
penso que houve uma relação positiva, de continuidade com o espírito, ambiência
e propósito da trilogia original. A batalha travada por um esquadrão de X-Wings
na superfície do planeta Takodana, contra as forças da primeira ordem, alia
essa preciosa diversão e rebeldia de espírito, à incerteza de desfecho que Star
Wars nos habituou, dando espaço ao valor individual dos personagens para fazer
a diferença e pelo seu brilhantismo, imortalizá-los.
Por outro lado, a excessiva
colagem ao enredo da trilogia original, nomeadamente ao que à Death Star e ao
local e condições em que Rey (a nova protagonista) é encontrada, levou a que
este filme fosse considerado um reboot do original, não sem razão, por um
número considerável de críticos. Acima de tudo, parece-me que esta reprodução
parcial da história do primeiro filme, é um desperdício do fantástico e
gigantesco universo criado por Lucas, com tanto por explorar, quer a nível de
planetas, espécies, facções e possíveis intrigas a desenvolver. Este será, sem
dúvida, um dos maiores, senão o maior ponto negativo deste filme. Para quem
esperava uma nova história, uma verdadeira continuação do episódio VI, o sabor
é agridoce, ela existe, mas só em parte, metade talvez, com um pouco de boa fé,
a outra metade é o episódio IV outra vez, mas com efeitos visuais do século XXI.
Em boa verdade, sendo este filme
uma obra apreciável quer do ponto de vista de produção, quer do ponto de vista
do entretenimento não deixa de passar a sensação, quando analisado a frio, que
é um trabalho inacabado, incompleto, imperfeito. E não o é por ser o primeiro
capítulo de uma anunciada trilogia mas sim pelo conflito entre a espectativa
criada e pela realidade do filme, pela pré-existência de uma história,
personagens e filmes que se quer homenagear e imortalizar e pela necessidade de
criar algo novo, pela necessidade de conservar o espírito original e de inovar
ao mesmo tempo, algo que em alguns momentos foi feito com sucesso, noutros nem
tanto, estando esta dicotomia espelhada em todos os aspectos do filme, do
enredo aos personagens, a ver:
Kylo Ren o proto vilão desta
saga, um padawan que se voltou contra o seu mestre e tio, Luke e abraçou o lado
negro da força, com o propósito de seguir o caminho do avô e tornar-se um Sith
lord (ele há famílias complicadas), tem tanto de potencial como de
inconsistente. Se por um lado J.J. Abrams nos dá a hipótese de conhecer e
seguir um wanna be Sith numa fase do seu percurso nunca antes revelada, com
todas as incertezas do lado negro aliadas a uma personalidade já de si instável,
o que pode parecer uma oportunidade entusiasmante e enriquecedora para um fã de
Star Wars, determinadas incongruências, tais como um domínio fantástico da
força revelado por Kylo Ren ao parar um disparo de uma arma lazer em pleno voo,
mas mostrando tremenda dificuldade para derrotar, num duelo de sabres luz, um
ex-stormtrooper sem qualquer tipo de treino na arma, são de difícil
compreensão.
Semelhantes cenas, algumas das
quais desbloqueadoras de enredo carecem de uma relação de causalidade e
consequência que levantam dúvidas legítimas e minam a credibilidade do filme,
por acusar falhas, por vezes consideradas grosseiras, no desenvolvimento da
narrativa. Entre elas temos o domínio, sem treino ou referência, de diversas
aplicações da força por parte de Rey, ou a deserção de Finn, um stormstrooper
que, só porque sim, decide achar que a reforma antecipada é uma boa
oportunidade para pendurar o capacete que, de qualquer dos jeitos, tem que
andar sempre a lavar depois das missões, e isso não tem jeito.
A descoberta e destruição da Starkiller
Base (Death Star xxl) e a morte excessivamente previsível e teatral de Han Solo
às mãos do filho, são momentos, também eles pouco brilhantes e criativos, assim
como o é a First Order em si (tanto quanto se sabe um Gallatic Empire com um
nome diferente mas igual em tudo o resto, 30 anos depois).
Ainda que a continuação prometa,
mais não seja pelo maior envolvimento de Luke e Snoke (o líder supremo da
First Order), que se adivinha para o episódio VIII, o desenvolvimento de Rey
como Jedi e quiçá de Kylo Ren como Sith, o “O Despertar da Força” não deixa de
ser um filme ambivalente. É um bom filme de aventura, com acção e humor que
cheguem para divertir (não vou falar de drama porque a morte de Han Solo foi
deveras fraquita) e em alguns momentos, devido a fantásticos efeitos visuais e
sonoros, até impressionar, mas é um Star Wars muito medianozinho pois as
inconsistências do enredo, assim como o facto de metade do filme ser copiado de
um dos episódios anteriores pesam sobremaneira numa balança que tenta
equilibrar com uma nova geração de heróis e vilões (não sem mérito), e a
promessa de novos desenvolvimentos para o futuro.
Vale a pena ver, para conhecer os
novos personagens ou para rever o início da saga com batalhas espaciais do
caneco, mas não esperem uma obra-prima porque este filme não é.
Classificação:
Nuno Soares
P.S: Se tiverem oportunidade
vejam num IMAX porque quer as cenas de perseguição no espaço em 3D quer a
envolvência da banda sonora, dão verdadeiramente corpo ao conceito de cinema
imersivo e valem bem o preço do bilhete.