Nascido em Outubro de 1986 em Albufeira, o poeta Roberto Leandro publicou pela primeira vez um livro de poesia em 2011, "Ver no Verso" de seu nome, livro este que marcou a materialização de uma paixão que o acompanha desde cedo.
Publicou ainda "Poesia em Combustão" em 2012 e "imagem d'escrita" já no final de 2014, onde dá um salto e alia poesia e fotografia na mesma obra.
Com uma carreira cultural e artística com presença na música, no teatro, no texto humorístico e claro na poesia, Roberto dá a conhecer a sua pessoa e trabalho nesta entrevista para a rubrica Jovens Autores do Opina.
A primeira pergunta que te quero
fazer é: porquê poesia? Fazendo parte de uma geração com hábitos de leitura
pouco enraizados e, consequentemente, com poucos hábitos de escrita, não é
frequente encontrar quem se dedique a este estilo e que persevere ao ponto de
produzir não um, mas três livros de poesia. Porquê escrever poemas?
Roberto: Neste caso acho que se pode dizer que não fui eu que
escolhi a poesia, mas sim a poesia que me escolheu. Cresci rodeado de música
popular, dos dizeres, provérbios, quadras, lendas, e a minha educação foi
sempre acompanhada por essas sabedorias do senso comum. O meu ouvido foi desde
muito cedo treinado para aquela melodia muito própria da poesia. Tenho
tendência para escrever poesia com uma métrica certa, com rima, não por ser uma
pessoa muito formal, mas porque me agrada a musicalidade que a poesia tem.
Fascinam-me as palavras, e acho que a poesia é a arte da palavra. Em poesia
precisas mais das palavras, porque não tens uma extensão tão grande para
definir aquilo que sentes ou pensas. Tens um verso, uma quadra, um poema para
dizer uma imensidão de coisas. A poesia é mais repentista, é mais crua e, às
vezes, cruel. Comparativamente com a prosa, não é que não tenha ornamentos, que
os tem, mas se tu não és verosímil com o que estás a fazer, se não és sincero,
mais vale não fazeres nada. A partir do momento em que o poeta abre a capa do
seu trabalho, abre corpo e alma e por isso é que para mim não é muito fácil
publicar poesia, apesar dos três livros. Essa nudez é a razão pela qual acho
que a poesia é crua e pode ser cruel, pois estás a colocar aos olhos de outros
aquilo que escreveste para ti, com muito menos temperamento que a prosa, alvo
de escrutínios e elações erradas ou demasiado certas. Por outro lado, acho que
este é um lado essencial da poesia; ser frontal, crua, para que te dês a
conhecer e para que as pessoas a vejam como é: não uma jarra de flores, mas uma
realidade cheia de emoções, na qual os ornamentos devem ser postos pelos
leitores.
Opina: Tu lançaste o teu primeiro livro “Ver no Verso” em 2011, mas
o teu percurso nas artes da escrita começou muito antes, num ambiente rico em
música, com os teus textos para peças teatrais, os sketches humorísticos, etc. És capaz de identificar os momentos do
teu caminho que achas fulcrais para teres desenvolvido essa paixão, essa
necessidade de desenvolveres este trabalho que hoje desenvolves?
Roberto: Olha, um factor marcante foi o de na minha família haver
várias pessoas ligadas à música popular, pessoas com este repentismo, com a
facilidade de rimar, de fazer sorrir os outros, de contar uma anedota ou apenas
de comunicar de forma interessante um sentimento; portanto lidei sempre com
pessoas muito expressivas, apesar de eu, por timidez, não deixar na altura
aflorar os meus sentimentos e aquilo que ia indagando. Na primária tive a sorte
de poder começar a exprimir o que sentia, porque apareceu a escrita com os seus
desafios: os ditados, a leitura expressiva para os colegas, tudo aquilo para
mim era uma copa do mundo e tinha que ser perfeito. Claro que, a par da
exigência, o acompanhamento e carinho das professoras nessa altura foram
fundamentais para estimular a minha criatividade e a minha paixão pela escrita.
Ter estado no Conservatório de Música de Albufeira e aí perceber o ritmo da
música, o som das notas, a sua voz muito própria, fez com que eu percebesse que
o mesmo acontece com as palavras. Ouvia uma canção e pensava: porque é que ele cantou
aquela palavra daquela maneira e não doutra? E se alguma palavra era mal pronunciada
eu percebia logo, ainda hoje isso me faz confusão. Se ouvir uma palavra cuja
métrica, sonoridade ou sentido não são bem aplicados na letra, fico logo preso
naquele detalhe e não ouço mais nada... A formação musical acompanhou-me sempre
muito. Mais tarde, no secundário, comecei a perceber o que era a poesia e a
conhecer os seus autores. Fiz teatro, o que também puxou muito por mim e
despertou-me a atenção para textos em diferentes formatos, e ao mesmo tempo
para o sentido de comunicar, de chegar com uma mensagem a algum lado.
Opina: O teu trabalho tem algo que, ao primeiro contacto, me salta
à vista e que vejo como singular. Tu és um escritor, um poeta, que mais do que
escrever, expressa e explora não só emoções mas conceitos. Acho de particular
interesse os temas, capas e a maneira, que a meu ver, me parece extremamente
cuidada, pensada, refletida mesmo, com que elaboras tudo isto de maneira a
proporcionar uma experiência mais completa, mais coesa, quase como uma história
que queres contar em verso, mas com a certeza de que quem está a ler entende o
que lê não só pela força das palavras mas por todo o enredo cénico/temático que
crias à volta dos poemas. Isto é intencional? E se sim o que está por trás
desta maneira de comunicar? O que pretendes ao escrever assim?
Roberto: Acaba por ser sempre intencional, apesar da organização
dos poemas no livro ser aleatória porque, como te dizia, não sou muito
formalista nessas coisas, mas a mensagem que passa é claramente intencional,
independentemente da natureza do que se quer passar. O “Ver no Verso” foi um
livro de reflexões e de exposição do autor, o “Poesia em Combustão” já foi no
sentido de chegar a alguns alvos mais afastados da poesia, a públicos distintos.
Tens alguns poemas que não te farão sentido nenhum, mas que para alguém com 15,
16 anos fazem todo o sentido, assim como outros para nós ainda não estão no
tempo, ainda não estão maturados, mas para alguém da geração dos nossos país ou
dos nossos avós, que têm uma ligação mais forte com a poesia erudita ou com a
poesia popular, fazem todo o sentido, encaixam como uma luva. Aquilo que eu
pretendo é que as pessoas que não têm por hábito ler poesia descubram que a
poesia é simples e multifacetada, que há sempre um poema que nos agrada, mesmo
que seja um entre mil. E nesse detalhe se sintam confortáveis e reconfortadas
na poesia. Tento que com os meus poemas e as temáticas abordadas neles as pessoas
se revejam e tenham nesse discurso a sua própria voz. Hoje as pessoas não se
expressam, não falam, não criticam.
"Tento que com os meus poemas e as temáticas abordadas neles as pessoas se revejam e tenham nesse discurso a sua própria voz."
Opina: Os teus três livros, apesar de terem sido publicados num
relativamente curto espaço de tempo, trazem ao leitor, para além de três
conceitos diferentes, três fases distintas da tua vida e consequentemente três
Robertos em diferentes estados de maturidade, enquanto autor e enquanto pessoa.
Como descreverias as tuas três obras e que pontos enaltecerias em cada uma delas?
E já agora, a mudar algo, o que mudarias?
Roberto: No caso do “Ver no Verso” e do “Poesia em Combustão”, que
são livros mais próximos, os poemas foram escritos nos meus 18, 19 anos, numa
fase de mudança de região, acabado de chegar a Lisboa, a confrontar-me com a
fase universitária e com uma realidade metropolitana, foi quase um choque de
civilizações. Claro que tenho poemas publicados pelos quais nunca tive grande
empatia, porque ou retratam um período difícil da minha vida ou são
simplesmente temáticas sobre as quais eu gostava de não ter que falar, como
algumas problemáticas sociais que nos pesam e entristecem. O primeiro livro tem
poemas mais seleccionados, mais vocacionados para quem gosta de ler poesia,
para quem escreve poesia ou para quem, de uma forma geral, gosta de pensar na
vida, para quem sabe que, para todas as coisas que fazemos e dizemos existe um
reverso e é preciso ver para além daquilo que é aparente. O “Poesia em
Combustão” é um livro sobre as emoções, sobre o que sentimos, desde o nosso
lume brando até às nossas explosões, e tenta acompanhar os 8 e os 80, em termos
etários. Em balanço, reconheço que poderia ter apostado num livro mais
preciosista, mais bonito, com poemas mais seleccionados; mas o livro não pode
agradar a gregos e a troianos…E apesar de alguns leitores acharem alguns poemas
mesquinhos, infantis, alguns até preocupações fúteis sobre a vida, temos que ir
aos que estão um passo atrás de nós para que esses possam avançar, e temos que
tentar estar um passo à frente para chegar aos que estão mais longe, para que
esses possam vir ter connosco e ensinar-nos. O livro funciona um bocadinho como
uma corrida de estafetas, como uma passagem de testemunho, recebemos alguma
coisa de quem está atrás de nós mas não vamos ficar com ela, vamos passá-la a
alguém. O “imagem d’escrita” é algo diferente, é uma vontade de trazer pela mão
várias pessoas, mostrar, mais do que o meu trabalho, o trabalho de outros,
porque reparei que as pessoas não só têm dificuldade em expressar os seus
sentimentos, quando lêem, quando interpretam ou quando sentem alguma coisa,
como também quem descreve, produz ou fotografa, sente muitas vezes dificuldade
em mostrar aquilo que faz. Tentei juntar um grupo de pessoas que têm talento
mas são amadoras, no sentido de gostarem daquilo que fazem e de porem o capital
cultural à frente do capital financeiro. Aqui, os poemas não foram escolhidos
por mim, mas pelos fotógrafos, e a palavra de ordem é liberdade, liberdade
artística para cada um, fotógrafos, designer,
editora, declamador, escolherem o que e como vão fazer e, pelo exercício dessa
liberdade, dão a sua identidade ao livro. Penso que isso tem feito deste livro
uma plataforma de emoções. As pessoas não têm ficado indiferentes ao livro,
porque se sente em cada página que há emoção, e era isso que eu queria atingir,
mostrar que todas as artes e personalidades se combinam.
Opina: Este teu “imagem d’escrita” e a mudança de abordagem que ele
representa, mesclando poesia e fotografia, poderá ser uma transição para algo
diferente, alguma mudança de estilo no teu trabalho?
Roberto: A ideia é, futuramente, trabalhar a poesia pela canção,
continuar a colaborar com o Pedro Rodrigues, porque acho que a poesia tem que
ter sempre alguma coisa que depois lhe dê asas, não pode só ficar num livro. A
música dá-lhe muita força, dá-lhe uma voz muito própria. Não abandono a
possibilidade de voltar a trabalhar com fotografia, mas só se for convidado
para isso, porque para mim os projectos têm que ser sempre diferentes,
inovadores.
"...pretendo que as pessoas que não têm por hábito ler poesia descubram que a poesia é simples e multifacetada, que há sempre um poema que nos agrada, mesmo que seja um entre mil. E nesse detalhe se sintam confortáveis e reconfortadas na poesia."
Opina: Quais os feedbacks que recebeste de cada um dos teus livros?
Houve alguma das obras que tenha tido mais impacto que as outras?
Roberto: Tirando os que foram queimados ou usados como calços para
mesas e estantes, ou até mesmo como base para copos, utilização em que o “Ver
no Verso” se destaca por ser pequenino e de capa dura, até estiveram bem, os
livritos… O “Ver no Verso”, por ser o primeiro livro teve muito impacto, foi a
surpresa e também a qualidade do livro em si, a capa dura, o formato, os poemas
seleccionados… O segundo livro, o grande triunfo que teve foi divulgar as
canções, pois já tem vários poemas musicados, teve o mérito de divulgar o
trabalho da capa, de uma designer
amiga, e resultou muito bem, teve grande impacto no público, em nichos
específicos. Este último livro é muito recente, saiu há dois meses, ainda
estamos a apreciar o impacto no público, mas já vendeu 40% da tiragem, e as
coisas estão a correr bem tendo em conta que somos pequenos e insignificantes
no mercado nacional.
Opina: Há pouco falámos do quão cedo se enraizou em ti a poesia e
da influência da música na tua obra, que influências tens em cada uma destas
artes que contribuíram para a maneira como hoje trabalhas ambos os temas?
Roberto: Fui muito influenciado, quer em termos melódicos quer em
termos de texto escrito, pelos fados da Amália Rodrigues, pelo David Mourão
Ferreira, Alexandre O’Neill, Fernando Pessoa, principalmente o ortónimo e, a
minha veia mais popular, mais vernácula, vem do António Gedeão e do António
Aleixo. Tenho ainda muitas influências da música popular lusófona, como o cante
alentejano, as cantigas do campo e a bossa nova.
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Fig 2: O mais recente livro de Roberto Leandro, lançado em Outubro de 2014 |
Opina: Roberto é difícil publicar um livro de poesia em Portugal?
Para além da parte da escrita, claro. Os teus três livros tiveram diferentes
editoras, World Art Friends, Chiado e Obnósis. Até que ponto é o mundo
editorial recetivo para um jovem poeta. Sentes-te e sentiste-te apoiado pelas
editoras com quem trabalhaste?
Roberto: Bem, na primeira não me senti minimamente apoiado e por
isso é que depois mudei. Quando tu tens um livro em que não decides a tiragem,
não decides a capa, não decides a quantidade de poemas nem o preço de venda e
tens uma margem de 10%, as coisas ficam complicadas. Para além da margem de lucro
reduzidíssima, nunca fizeram as correcções que pedi em futuras edições, foi
sempre um diálogo muito frio, muito abandalhado e revelador de muita falta de
experiência da parte de quem deveria elucidar-me e acompanhar-me. Depois
trabalhei com a Chiado Editora, mais conhecida. Queria uma editora que
estivesse mais perto de mim (Lisboa), para acompanhar melhor o processo. Em
todo o caso, vi que não conseguiam suprir todas as necessidades que eu tinha a
nível de divulgação, mas foi já um incremento porque o livro ficou disponível on-line, ficou disponível em várias
livrarias de todo o país e isso facilitou o acesso dos meus leitores àquela
obra. Respondendo à primeira pergunta, é sempre fácil publicar se tiveres
dinheiro para gastar ou se encontrares uma editora pequena que publique tudo, e
dessas há dúzias, aliás esse é um grande problema actualmente. No caso do
“imagem d’escrita”, tinha sido criada muito recentemente a Obnósis, uma editora
de pessoas com quem trabalho e por quem tenho grande afecto, e sei que são
pessoas genuinamente interessadas em publicar livros com qualidade, de autores
que não teriam grande possibilidade de publicar por questões financeiras ou por
falta de “status social”. Poderá bem ser uma parceria para o futuro, a julgar
pelo excelente entendimento até agora.
Opina: E por falar em futuro, que projectos podem os leitores
esperar, da tua pessoa?
Roberto: O melhor é irem acompanhando e estarem atentos. Nos
próximos tempos vou continuar a acompanhar os músicos com quem trabalho, mas procurarei
estar sempre envolvido em vários projectos, seja na organização de eventos,
seja noutras escritas, revisões, crónicas, etc. Tenho uma necessidade
intrínseca de desenvolver este tipo de trabalho. Mas posso adiantar que,
possivelmente, o próximo livro que sair, que não há-de ser para já, não será em
poesia.
Opina: E para terminarmos, qual é a melhor maneira de um leitor
interessado acompanhar os teus projectos?
por Nuno Soares
P.S: A próxima apresentação do "imagem d'escrita" será na FNAC de Albufeira a 21 de Março! Não percam!