Sou bastante
desarrumada.
Às vezes caótica até,
nas misturas de coisas que faço sem nenhum critério aparente.
Vou deixando aqui e
ali, em sacos e caixas (adoro caixas) que contem um bocadinho de tudo – de lixo
também. E, se não me policiar (ou se não me policiarem) facilmente crio montes
de desarrumação, de tralha, mais ou menos sentimental.
Quem me conhece bem diz que estou muito
calada, que falo cada vez menos.
As minhas narrativas (as escritas mas
também as faladas) ficam mais parcas à medida que o tempo avança. Aprecio cada
vez mais o silêncio.
Gosto de pensar que nas conversas, como
na vida, o que se perde em pormenores, ganha-se em essência - muita coisa perde
significado e não resiste à passagem do tempo.
Hoje vou construindo a ideia de que o
nosso processo de aprendizagem é uma espécie de mala de viagem. E, no meu caso
a noção de essencial foi encolhendo muito.
Prefiro uma ‘bagagem’ mínima que não me
tolha a mobilidade.
Porque o essencial é a viagem.
Como na vida.
A ideia de que acumulamos conhecimento
como se fosse dinheiro não me seduz. Tirando a tralha sentimental, tento não
acumular. Para o dinheiro, sei bem que não tenho jeito para o acumular; para o
conhecimento acredito que quanto mais sei, mais dúvidas tenho – ‘´só sei que nada sei’ como no paradoxo socrático.
Quanto à informação sinto que o excesso pode
até ficar tóxico. Ou produzir o efeito inverso, que é o de nos tornar
insensíveis, alheios e alheados.
Paradoxalmente,
questiono-me sobre o que é que eu faço com o que aprendi ao longo de uma vida já
com bastantes anos?
Talvez aqui valha a pena distinguir
entre informação e conhecimento significante e a sabedoria possa construir-se à
medida que essa distinção se faça.
Existe informação relevante e não
relevante (face aos nossos bons critérios, claro está) e existe sobretudo a
necessidade de arranjar espaço e tempo para continuar a seleccionar informação
nova neste mundo de excessos em que hoje vivemos.
Quando a informação é mediada pela experiência,
transforma-se em conhecimento. E este pode servir-nos para nos conhecermos
melhor, a nós, aos outros e ao mundo, dando margem para continuar a aprender
mas pode também fechar-nos numa barricada de certezas.
Às vezes, na minha relação com outros
(os mais novos mas não só) sinto uma certa arrogância. Tento domá-la mas
inquieta-me. Por vezes é defensiva, porque existe muita gente,
independentemente da idade, que acha que sabe tudo e a ignorância é atrevida.
Outras vezes, fico enquistada em ‘especialidades’ que fui construindo. E isso
preocupa-me.
Existe em mim uma tensão entre o que de
facto sei, sem falsas modéstias e que, não passa de uma matriz construída com
dados e experiências, e o que não sei.
O que a vida me tem ensinado é que
aumentou o espaço do ‘não sei’ sobre coisas verdadeiramente importantes:
–
Como gerir a minha vida para ser mais feliz?
- Como fazer as mudanças que pretendo
para mim?
- Como aceitar o diferente, o inesperado,
o que a vida me traz sem ter sido pedido?
- Como aceitar os outros como eles são,
e não como eu gostaria que fossem?
- Como aceitar a impotência de não poder
fazer nada para modificar coisas que me incomodam? Como?
Na maior parte dos dias aceito com
alguma tranquilidade este aumento do espaço do ‘não saber’ sobre o que é
verdadeiramente importante porque a arte de viver me parece uma obra inacabada.
Mas também este tipo de convicções são
paradoxais e os perigos são muitos nos combates incessantes que travamos contra
nós próprios.
Hoje acho que uma criança pequena pode
ser muito mais sábia do que um painel de doutores.
E que neste caminho sou de facto uma
aprendiz.
Isabel Passarinho