Miguel Brito de Oliveira nasceu em Moura em 1988 e depois de um percurso bastante diversificado que passou pela rádio e pelo teatro, eis que se estreia, em 2011, aos 22 anos, Mulheres Coragem, a primeira obra de sua autoria.
Desde então Miguel não mais parou de escrever e o jovem autor tem-se envolvido em diversos projectos literários, em prosa e em poesia, entre os quais contam-se a participação com um conto na colectânea Contos nos is (2011), das Edições Macalfa, poemas nos compêndios Inversus (2011) e Poética I (2012) da Edições Macalfa e da Editorial Minerva respectivamente.
Mais recentemente Miguel Brito de Oliveira assinalou a sua presença na obra Stories do Alentejo (2013) da Lugar da Palavra Editora, editora que também publicou Mulheres Coragem, obra que envolve 12 autores alentejanos e que caracteriza em vários contos a região que lhe dá nome.
Miguel aceitou amavelmente o
convite do Opina para partilhar connosco um pouco da sua história, percurso e
perspectivas futuras enquanto jovem escritor português.
|
Fig 1: Miguel Brito de Oliveira e a sua obra de estreia Mulheres Coragem |
Opina: Miguel bem-vindo! Obrigado por teres aceite o convite do
Opina e por te juntares a nós nesta entrevista.
Começando por falar um pouco de
ti e do teu percurso, deixa-me perguntar-te: com 25 anos repletos de aventuras
e experiências integradas num caminho ímpar, participação em teatro, rádio,
música, fizeste a recruta no exército, tens um livro já publicado, outros dois
em co-autoria, participação numa mão cheia de projectos literários tanto em
prosa como em poesia. Queres partilhar connosco quem é afinal Miguel Brito de
Oliveira?
Miguel: Não é fácil para mim definir-me a mim enquanto pessoa.
Parece que quando nos tentamos definir a nós próprios fica sempre a faltar
qualquer coisa e ao mesmo tempo temos tendência para acrescentar mais do que somos
na descrição. Ainda assim arrisco dizer que me acho um puto, um rapaz pequeno
com uma vontade de viver, conhecer e saber mais que não cabe em mim. Vejo-me
como uma pessoa que quer mais, mais desafios, mais conhecimento, mais
experiência de vida. Falando do meu percurso, o gosto pela rádio, televisão, teatro, musica e qualquer
outra forma de arte ou comunicação surgiram desde muito novo quando dei os
primeiros passos no teatro, área que acabou por marcar uns bons anos da minha
vida entre peças de teatro, animações e formações na área artística. Aos 15
anos, acabei por criar problemas com os meus pais, pois havia decidido ir viver
sozinho para outra cidade, à procura de cumprir o objetivo de então. Felizmente
ganhei, e acabei por cursar comunicação social numa escola profissional que me
possibilitou posteriormente viver essas experiências fascinantes em rádio e
televisão. Depois desta experiência que muito me fez crescer, veio uma fase
menos boa em que fiquei parado, algo que não é meu. Surgiu então a ideia de
alistar-me nas fileiras do Exército Português e acabei por juntar o desejo que
sempre tive de conquistar a minha boina com a necessidade de ocupação. Hoje,
afirmo com todas as letras que essa experiência, com toda a sua intensidade e
exaustão foi a melhor escola que eu poderia ter na vida. A literatura é outro
campeonato. É qualquer coisa que me faz viver, abstrair, minimizar e sobressair
num único momento e numa única ação. O lançamento do Mulheres Coragem marcou a minha estreia num mundo novo, que há
muito vinha a preparar e, desde então, não tenho parado e agarro todas as
oportunidades de fazer mais com o único objetivo de crescer e ser melhor.
Opina: E Miguel, achas que essa tua dinâmica de ser, essa vontade
de querer ser mais, de querer ter mais mundo foi cultivada em ti pelas
experiências que foste vivendo? Reconheces alguma experiência, destas que
falámos ou outras, específica na tua vida, que tenha feito um click e que tenha vincado essa tua
personalidade de querer sair mais de ti e absorver mais do que o mundo tem para
te oferecer?
Miguel: Repara, há muitos momentos na minha vida que me marcaram e
que foram um molde essencial nos meus valores, modelos e carácter, no entanto,
eu acho que não é única e exclusivamente uma questão de experiência de vida mas
que é algo da tua própria natureza. Quando as pessoas têm a vontade de crescer
por dentro vão ter mais tendência a valorizar o ser do que o ter. E isso acho
que é algo que nasce contigo, que tem que estar em ti.
Opina: E com tantos interesses e solicitações do mundo da escrita
como concilias tudo isso com uma vida académica ativa, afinal estás no 3º ano
da Licenciatura em Turismo da Universidade do Algarve, fazes parte do Concelho
Fiscal e do Senado Académico da mesma universidade, do Conselho Pedagógico da
Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo, com os exames, família, namoro
e tudo mais?
Miguel: Acho que acima de tudo é uma questão de gestão de tempo.
Sinceramente não consigo ver como uma perspectiva realista para mim o que
algumas pessoas fazem de pôr em primeiro lugar os seus projectos e depois a
família e as relações amorosas. Nós conseguimos ir longe sozinhos, mas
acompanhados sabe melhor. E claro que, quando queremos atingir determinados
objectivos precisamos de combustível, de força de vontade, de motivação e que
se estiveres sozinho no mundo é muito difícil chegares onde queres, porque não
tens apoio de ninguém. Há momentos de fraqueza que qualquer ser humano tem e tu
sabes que tens esse apoio nos teus amigos, na tua namorada, na tua família. E
tendo esse apoio é egoísmo dizer que primeiro está a tua vida profissional e só
depois a tua vida pessoal. A minha vida pessoal, o que sou, com a ajuda de
todos os que me apoiam e uma boa gestão de tempo são essenciais para conseguir
conciliar todas as minhas actividades. Sou apologista de quem algum dia disse: Se tiveres de
escolher entre o mundo e o amor, escolhe o amor e com ele conquista o mundo.
"Acima de tudo Mulheres Coragem é fruto de uma vontade enorme de escrever."
Opina: Falando um pouco da tua obra de estreia Mulheres Coragem queria perguntar-te, quanto tempo demoraste a
escrevê-la, quais as principais dificuldades e porquê a guerra colonial como
tema? Sendo um tema recorrente não só na literatura portuguesa como no cinema,
no teatro, sendo um tema cultural forte em Portugal não é muito comum nos
autores mais jovens, porquê esta escolha?
Miguel: Este tema é um tema que devia ser muito mais falado por
todos, é um tema que faz parte de nós portugueses, é uma fase da história que
influenciou e muito o rumo de Portugal hoje em dia. Eu sempre gostei imenso de
história e a nossa história somos nós, as pessoas, e esse interesse levou-me a
escrever um romance numa página importante da história de Portugal. O facto de
ter estado no exército também ajudou um pouco a que esta fosse, das várias
épocas históricas que me interessam particularmente, a escolhida para este
primeiro romance, senti que era a escolha correcta. Respondendo à tua outra
pergunta eu comecei a escrever o Mulheres
Coragem, sem te conseguir precisar exatamente o momento, mais ou menos aos
dezasseis anos e terminei com vinte e um, acabando por publicar aos vinte e
dois. Houve obviamente várias interrupções, não foram cinco anos contínuos de
escrita, e ainda acabei por cortar uma boa parte da obra e reescrever outras
tantas páginas porque no fim do processo, não me identificava já com partes que
haviam sido escritas há mais tempo, o que me obrigou a fazer quase que uma
reciclagem, um corta e cola e reescreve de parte da obra. Em termos de
dificuldades, de desafios, os maiores foram por em palavras as ideias que eu
tinha, de forma a conseguir transmitir ao leitor exatamente o que queria e
fazer com que os meus dedos acompanhassem o meu pensamento. Às vezes é muito
complicado. Tens pensamentos a mil à hora, estás a pensar num rumo na história
muito rápido, e fazer com o que os teus dedos escrevam ao mesmo ritmo que o teu
cérebro desenvolve as ideias é muito complicado.
Opina: Miguel muitos autores reconhecem a sua experiência pessoal,
a sua vivência como uma importante fonte de inspiração para os conteúdos do que
escrevem, tão ou mais valiosa que uma fonte bibliográfica tradicional. Sentes
isso no teu caso ou vês como a principal mais-valia em termos de criação do
conceito a exaustiva pesquisa bibliográfica que certamente fizeste sobre o tema
antes de o escreveres?
Miguel: Eu não acho que nós nos devamos limitar à nossa experiência,
aliás, nem acho que isso seja possível. Quem quer criar tem que conseguir
conciliar as duas coisas, quer a experiência pessoal quer a pesquisa
bibliográfica. No meu caso, em Mulheres
Coragem, tive que fazer bastante pesquisa bibliográfica porque, claro está,
eu não estive na guerra do ultramar. No entanto, a pessoa que sou influencia
obviamente os personagens que criei, a maneira como se relacionam uns com os
outros e com o mundo. Se eu fosse diferente tudo seria, certamente, de outra
maneira. Acredito nesse equilíbrio e que a tua natureza, a tua maneira de ser,
as tuas experiências e vivências influenciam sempre o que escreves e a maneira
como escreves.
Opina: Uma coisa que não posso deixar de te perguntar pois está
relacionada com a temática deste livro mas também de outros textos teus, como o
poema És Mulher, em que é bem patente
a admiração pelo género feminino, essa homenagem que também fazes em Mulheres Coragem e que ora está num
plano mais etéreo, mais inalcançável, quase celestial, ora está num nível bem
mais terreno, invocando os prazeres carnais e a relações, por vezes
conturbadas, entre homem e mulher. Queres explicar-nos um pouco a importância
desta dicotomia nos textos que produzes?
"Acho que é preciso realçar a verdadeira força do género feminino na nossa sociedade."
Miguel: Não
escondo de forma alguma a admiração e o respeito que tenho pelas mulheres. Acho
que é preciso realçar a verdadeira força do género feminino na nossa sociedade.
Eu acho que hoje ainda se subestima muito a força das mulheres e que em muito
sítio, muita gente ainda considera o género masculino, o forte, o que não é
verdade. Tenho grande admiração por aquela força que se mostra sem levantar um
braço ao invés da força física. As mulheres têm uma capacidade que os homens
não têm de conseguir ser mulher, amante, esposa, mãe, irmã, filha, uma
polivalência de carácter, uma capacidade de transformação imediata, de
regeneração e de perseverança incrível que as ajuda a ser o que querem.
Opina: É este um livro escrito com a emoção de quem escreve uma
obra pela primeira vez e quer mostrar ao mundo o que lhe vai na alma, ou pelo
contrário, é uma obra premeditada e exaustivamente analisada antes, durante e
depois de ser escrita, com um sentido filosófico e reflexivo, com alguma
mensagem subjacente?
Miguel: Acima de tudo Mulheres
Coragem é fruto de uma vontade enorme de escrever. Tendo eu gosto por
literatura senti vontade de escrever, de criar algo meu, ao invés de estar a
vida toda como leitor, eu quis conhecer o papel do escritor também. Mulheres Coragem foi o marco inicial de
todo um objectivo que eu quero seguir ao longo da minha vida, a necessidade de
eu mostrar ao mundo uma das minhas facetas e ao mesmo tempo uma grande
satisfação pessoal, uma realização, a maneira de eu dizer a mim mesmo “fui
capaz de fazer”. Acho que isto responde.
Opina: E que feedback tens tido de leitores e da editora?
Miguel: O feedback tem sido muito positivo. As pessoas que leram
fizeram-me chegar críticas bastantes construtivas sobre a maneira de escrever,
as características específicas da obra, o final, que é bastante próprio, e é
sempre bom ouvir o que as pessoas nos têm para dizer sobre o que escrevemos. O
feedback da editora foi, também ele, positivo e, para uma estreia, acho que
quer as críticas quer as vendas foram bastante razoáveis.
Opina: Para quando a 2ª edição?
Miguel: Ainda não te sei dizer quando. Ela sairá com certeza mas,
de momento, estou envolvido noutros projectos que também não me permitem
dedicar tanto tempo quanto seria preciso a essa questão. No entanto, os
leitores conseguem ainda adquirir o livro on-line no site da “FNAC”, da “Wook”
e da “Lugar da Palavra” editora.
|
Fig 2: Stories do Alentejo |
Opina: E falando de outra aventura, esta mais recente, em que
participas como co-autor, Stories do
Alentejo, podes falar-nos um pouco sobre o que consiste este projecto e na
tua participação específica neste livro?
Miguel: O projecto Stories do
Alentejo é um projecto que conta com 12 autores, todos eles alentejanos,
coordenados pelo Luís Miguel (Luís Miguel Ricardo), em que cada um ficou
responsável por retratar culturalmente uma zona específica do Alentejo em
termos de gastronomia, eventos culturais de relevo, monumentos, lugares a
visitar e principalmente a gíria tão característica do Alentejo. Eu fiquei com
as aldeias ribeirinhas, as aldeias em torno da barragem do Alqueva e optei,
neste conto, por usar o humor o que ajudou a enriquecer e diversificar um projecto
maioritariamente informativo e de promoção cultural mas aberto a vários géneros
de escrita. No entanto, tenho que destacar que esta experiência foi para mim
uma grande escola não só em termos de escrita, mas enquanto pessoa, uma grande
partilha de experiências, uma hipótese de conhecer e contactar com escritores
maduros, de obter grandes referências e que inclusive me deu para aprender
coisas fascinantes sobre o Alentejo. É também muito gratificante ver que o Stories do Alentejo está a superar as
expectativas dos autores, já marcamos presença em programas de televisão como A praça da Alegria e Portugal no Coração e está a ser uma
maneira fantástica de levarmos ao país o que de melhor há no nosso Alentejo.
Opina: E planos para o futuro mais próximo? Os leitores podem
esperar algum novo livro de tua autoria?
Miguel: Estou a trabalhar num outro projecto em co-autoria, também
ele muito gratificante, em que estou a desempenhar funções diferentes do que
tenho desempenhado nas publicações em que tenho participado. No entanto, não
vou adiantar muita informação, posso apenas avançar que, em princípio, ainda
este ano sairá novo projecto para o mercado. Outros estão a ser pensados, mas
já nada para 2014.
Opina: Miguel qual a melhor maneira para que quem lê esta
entrevista possa seguir o teu trabalho?
por Nuno Soares