sábado, 10 de setembro de 2016

Jovens Autores - António Limpo

Nascido no ano de graça de 1983 na cidade de Lisboa, António Limpo é um designer gráfico com uma larga envolvência nas artes e na cultura. Para além de trabalho artístico no desenho e na pintura, António Limpo estreou-se no mundo literário com “O Surto” um conto pós-apocalíptico lançado pela Obnósis Editora em 2015.

Convidámos o António para uma entrevista no âmbito da rubrica Jovens Autores para que possam conhecer autor e obra. Esperemos que gostem!

Fig. 1: António Limpo

Opina: Bom dia António! É um grande prazer ter-te aqui hoje comigo. Obrigado por nos concederes esta entrevista!

A primeira coisa que te queria perguntar tem a ver com a tua formação pessoal e profissional. Tu és um homem de artes mas de uma área mais gráfica, do design, da pintura e do desenho. Porque é que um artista plástico e visual acaba por escolher a literatura como forma de expressão?

António: Sabes, eu sempre tive o hábito de ler, ainda que seja muito específico nos livros que escolho, mas é algo que me tem acompanhado ao longo da vida. Gosto bastante de ler, nomeadamente banda desenhada, e de escrever também. “O Surto” acaba por aparecer um pouco do nada, era uma história que eu queria contar e tive que a por em livro. Foi um ímpeto. Eu utilizo normalmente outras formas de expressão artística como a pintura ou o desenho mas, neste caso, a escrita pareceu-me mais adequada. Era escrever o livro ou fazer o filme.

Opina: Para um jovem de trinta e poucos anos não deixa de ser impressionante o percurso e o “rasto” de iniciativas, de projectos, de dinâmicas em que te vais envolvendo, para além das tuas próprias produções na pintura/desenho, trabalhaste no Monstra, Festival de Animação de Lisboa, em 2011, organizaste a Benfic’arte, uma exposição anual que cobre diversas áreas desde as artes plásticas ao cinema, passando pela música e estás à frente da Academia de Artes de Lisboa onde, para além da direção, coordenas os cursos de imagem. A isto juntas a Obnósis Editora, que fundaste, e a escrita. Como é ser artista a tempo inteiro e como é que se consegue estar em todas estas frentes?

António: Eu continuo a achar que há sempre espaço para mais e se a vida permitisse eu seria mesmo só artista plástico mas gosto imenso do que faço e, desde que goste, consigo estar envolvido em vários tipos de trabalho. Eu trabalho muito em design mas também faço ilustração, pintura, desenho, estou à frente da Academia, dou aulas de pintura e desenho na Academia também e claro, tenho a envolvência no mundo da literatura e da escrita através da Obnósis. Gosto de estar metido em vários projectos.

Opina: E é difícil de conciliar tudo isso?

António: Flui tudo normalmente. Se tiver muito que fazer o que faço é meter-me efectivamente ao trabalho e vou fazendo pausas quando acho que estou a precisar. Às vezes tenho que me limitar para não ficar a trabalhar demasiadas horas mas tento fazer um auto-controlo e parar quando sinto que já chega para um dia.

Opina: Que influência teve a tua experiência editorial na Obnósis para a publicação de “O Surto”? Era algo que farias sem ser pela tua mão do ponto de vista editorial ou achas que essa opção condicionaria a tua liberdade criativa? Nesse aspecto existe para ti alguma linha vermelha?

António: Eu quis publicar na Obnósis por, para além de fazer parte da editora, ter liberdade total na criação do livro. Eu acho que não teria dificuldade em publicar “O Surto” noutra editora mas talvez tivesse condicionantes no aspecto gráfico do livro ou limitações no conteúdo, ou o que seja, que não quis ter. A minha linha vermelha é traçada entre aquilo que quero passar e aquilo que me querem deixar passar. Se no caso do livro a editora, fosse ela qual fosse, me tentasse mudar conteúdo, como tirar partes mais violentas ou de qualquer outra maneira deturpar ou limitar a minha maneira de ver as coisas ou a identidade do que escrevi, eu não publicaria através dessa editora.

"A minha linha vermelha é traçada entre aquilo que quero passar e aquilo que me querem deixar passar."

Opina: “O Surto” não tendo uma temática nova, traz ao leitor um género muito pouco explorado em Portugal, o conto pós apocalíptico, com todas as emoções, conflitualidade e tensão que tal implica. Porquê este tema?

António: Eu gosto muito do pós-apocalíptico. A minha formação base é em história de arte e ao estudar as antigas civilizações, que já viveram o seu mundo pós-apocalíptico, que veio dar origem ao nosso, interessei-me muito por esses temas, a queda das civilizações, fosse através de uma epidemia, um desastre natural, uma invasão, o que fosse e é algo que sempre gostei de ver em livros, séries, filmes, jogos. E isto até é coisa que já deu conversa entre amigos, é que este tipo de narrativas, seja em que formato for, nunca ocorre em Portugal. Na versão Americana da coisa há um desastre, há um herói que sozinho salva aquilo tudo, salva o mundo, mas o mundo é sempre a América e no “O Surto” tentei dar ao leitor algo diferente, pensei “não, se isto é uma epidemia a nível mundial Portugal tem tanto interesse como os Estados Unidos, Inglaterra, França ou seja onde for” e daí ter escolhido Portugal e mais especificamente a cidade de Lisboa para “lançar” “O Surto”.

Opina: Como foi a aceitação dos leitores para uma temática que sendo já, por exemplo nos países anglo-saxónicos, algo entre o culto e o mainstream, em Portugal é ainda visto com alguma estranheza, com algo erudito, de um pequeno nicho de escritores/leitores?

António: Os comentários que recebi foram bastante encorajadores, ainda para mais porque, como disseste, muitos dos leitores do “O Surto” têm neste livro o primeiro contacto com o pós-apocalíptico e é bom ver que o resultado foi capaz de captivar mesmo leitores novos a este género literário.

Opina: Que influências da escrita e não só te inspiraram para “O Surto”?

António: Em termos visuais fui bastante inspirado pelo filme “A Estrada”, “28 dias depois” em alguns momentos, “The Walking Dead” é uma influência grande mas não tão directa como as pessoas possam imaginar, porque apesar de “The Walking Dead” acompanhar um grupo de sobreviventes a um cataclismo desta natureza não têm o mesmo tipo de funcionamento nem do lado dos infectados nem dos sobreviventes, sendo nesse aspecto “A Estrada” uma influência maior. Para além destas influências cinematográficas há ainda os jogos, desde os mais antigos que joguei ao crescer e que hoje têm uma conotação quase cómica, com aquele gore dos ano 90, bastante exagerado e claro, há outras, influências indirectas que tenho de estar um bocadinho a matutar para ver de onde vieram. Mas, na generalidade, a realidade é uma inspiração maior do que a ficção.

"No “O Surto” não há heróis e como os personagens são pessoas normais podem morrer até ao último sopro."

Opina: Uma das curiosidades de “O Surto” é passar-se, em parte, na cidade de Lisboa. Achas que essa escolha faz com que, quem conhece a cidade, se conecte de uma maneira diferente com a narrativa ou as dinâmicas seriam semelhantes se este surto se desse numa qualquer cidade fictícia?

António: Seria certamente diferente. Teria que fornecer muitos mais elementos da própria cidade que, neste caso, não senti necessidade. Mesmo para quem não conhece a cidade, hoje com tecnologias como o Google maps, qualquer pessoa pode conhecer os locais por onde a acção passa e construir as imagens da narrativa na sua cabeça com muito mais facilidade.

Opina: No “O Surto” a morte é uma constante. Não é o descartar de tantos personagens relevantes um risco no longo prazo? Não temes que alguns leitores se sintam emocionalmente defraudados e que abandonem a leitura ou percam o interesse por terem parte do elo de ligação com a obra quebrado com o desaparecimento de personagens com relevo no enredo?

António: Esse ponto é algo que eu não gosto na maior parte das obras do género. O herói sobrevive sempre, os personagens próximos do herói sobrevivem sempre, quando alguém tem que morrer, morre o personagem mais secundário possível, geralmente estereotipados e clichés, largamente irrelevantes para o desenrolar da história. No “O Surto” não há heróis e como os personagens são pessoas normais podem morrer até ao último sopro.

Fig. 2: "O Surto" de António Limpo, lançado em 2015

Opina: O que e para quando podemos esperar continuação?

António: Talvez para 2017. Parte da história já está escrita e posso-te avançar que vão passar alguns anos e que a narrativa vai dar muitas voltas com novas realidades e novas personagens.

Opina: Onde podem os leitores seguir o teu trabalho?

António: Podem fazê-lo na página da Obnósis Editora ou nas redes socias. “O Surto” está também disponível na loja online da FNAC, da Bertrand e da Wook pelo que se colocarem “O Surto” no Google encontrarão certamente uma destas páginas.  


por Nuno Soares




2 comentários:

  1. Não conhecia, gostei de ficar a saber um pouco mais acerca deste autor :)

    Lina Soares
    http://trintaporumalinhanoticias.blogspot.pt

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  2. Muito obrigado pelo comentário Lina! No Opina a literatura tem bastante relevância e seja através de entrevistas ao nossos autores, de análises de obras, na divulgação de eventos ou da criação de Poesia, há sempre novidades. ;)

    Boa sorte para o 30 por uma linha!

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